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A Reforma do Ensino Médio, criada a partir da Medida Provisória n. 746/16, foi uma das primeiras ações do Governo Temer, logo após assumir em definitivo a Presidência da República, em 31 de agosto de 2016.

Segundo sua Exposição de Motivos(1), a reforma no Ensino Médio era um assunto urgente: o aumento da população jovem, a alta taxa de evasão e a ausência de disciplinas optativas demandavam flexibilização do atual Ensino Médio.

No entanto, a Medida Provisória sofreu inúmeras críticas a respeito de seu conteúdo, especialmente porque sua urgência não estaria demonstrada – já que havia propostas para reformar o Ensino Médio no Congresso Nacional –, e também porque os termos da Reforma não foram amplamente debatidos pelos interessados e membros da sociedade civil, apartando-os do processo decisório(2).

O debate seria relevante porque as políticas públicas educacionais são complexas, interligadas com outras políticas públicas, cujas modificações refletem na prestação do direito à educação.

Nesse sentido, as regras do Novo Ensino Médio alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96), que, por sua vez, também afetou a interpretação e os objetivos atribuídos ao Ensino Médio. Mesmo depois de entrar em vigor, as regras devem ser regulamentadas pelas respectivas redes de ensino estaduais, assim como pelo Conselho Nacional de Educação, a fim de orientar sua implementação.

Além disso, é preciso observar às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que ainda não possui texto definitivo, bem como o aspecto orçamentário, acerca do auxílio da União para implementar o Ensino Médio em tempo integral. Há, por isso, um longo caminho a ser percorrido até o Novo Ensino Médio ser colocado em prática. Em resumo, é preciso regulamentação e recursos financeiros.

No Congresso Nacional, o texto original da Medida Provisória sofreu modificações, e tornou-se a Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Muitas são as dúvidas a respeito das disciplinas curriculares, a carga horária do Ensino Médio e a contratação de professores.

A partir da lei em vigor, trataremos, a seguir, de cada um dos pontos da Reforma do Ensino Médio, relacionando-os com as políticas públicas educacionais. Vamos a elas?

 

Carga horária

A carga horária mínima passou de 800 horas anuais para 1.400 horas anuais (LDB, art. 24, § 1º), a serem distribuídas por um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar. Buscou-se incentivar o ensino integral, a meta 6 do Plano Nacional de Educação.

Para tanto, foi estabelecida regra de transição, pelo prazo de cinco anos, para os sistemas de ensino se adaptarem à nova regra, período em que deverão oferecer carga horária de ao menos 1.000 horas anuais, a iniciar em 02/03/2017. Ou seja, somente a partir de 2022, o Ensino Médio em tempo integral deverá, obrigatoriamente, possuir a carga horária mínima de 1.400 horas anuais.

Dado que o Ensino Médio possui duração mínima de três anos (LDB, art. 35), a carga horária total do curso será de 4.200 horas; e, de no mínimo, 3.000 horas, sob vigência da regra de transição.

Isso significa que a implementação do Ensino Médio não ocorrerá de imediato, já que os sistemas educacionais de ensino – que supervisionam o ensino público e privado no âmbito dos Estados – devem se adaptar às novas regras.

O aumento na carga horária, assim como a oferta de itinerários formativos – como veremos a seguir – implicam em maior custeio desta etapa do ensino básico. Os governos deverão, por isso, planejar-se para a implementação do novo Ensino Médio, bem como as escolas particulares, que devem contratar mais professores e corrigir o valor das mensalidades.

Cabe ressaltar que a alteração na carga horária afetou também o Ensino Médio noturno e o Ensino para Jovens e Adultos (EJA). Nestas etapas de ensino é comum que os alunos e as alunas trabalhem durante o dia para estudar à noite. No entanto, não há clareza quanto à carga horária do Ensino Médio noturno, uma vez que a lei deixou o tema a cargo dos sistemas de ensino estaduais (LDB, art. 24, § 2º). Assim, cabe aos Conselhos Estaduais de Educação e às Secretarias Estaduais de Educação definirem regras específicas. Pode haver disparidade de regras entre Estados, já que a lei federal não uniformizou o assunto.

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Para garantir recursos ao Ensino Médio em tempo integral para as escolas públicas, foi criada a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, no âmbito do Ministério da Educação (MPV n. 746/16, arts. 5º e seguintes e Lei n. 13.145/17, arts. 13 e seguintes).

Com essa Política, a União, que não tem competência para prestar o Ensino Médio, passa a oferecer recursos financeiros para os Estados que preencherem os requisitos determinados pela Lei.

O repasse será feito pelo prazo de dez anos, por escola, contados do início da implementação do ensino médio integral na escola. Os acordos entre o MEC e os Estados devem prever expressamente (Lei n. 13.145/17, art. 13, § único):

I – identificação e delimitação das ações a serem financiadas;
II – metas quantitativas;
III – cronograma de execução físico-financeira;
IV – previsão de início e fim de execução das ações e da conclusão das etapas ou fases programadas.

Em resumo, os acordos devem tratar do planejamento e forma de execução das medidas. Quanto aos critérios para receber o benefício, eles foram estabelecidos pela própria Lei n. 13.145/17 (art. 14), mas outros podem ser previstos em regulamento:

I – tenham iniciado a oferta de atendimento em tempo integral a partir da vigência desta Lei de acordo com os critérios de elegibilidade no âmbito da Política de Fomento, devendo ser dada prioridade às regiões com menores índices de desenvolvimento humano e com resultados mais baixos nos processos nacionais de avaliação do ensino médio; e

II – tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto no art. 36 da Lei no 9.394, de 20 dezembro de 1996.

As regras pretendem otimizar o uso dos recursos públicos, já que estabeleceram como critério prioritário as escolas em regiões pobres do país e com baixos resultados em educação, que necessariamente precisam de maior aporte. Por outro lado, a contrapartida exigida dessas escolas – ofertar o Ensino Médio em tempo integral a partir de 2017, ano de vigência da lei – pode dificultar sua implementação. Obviamente uma escola localizada em região pobre tem menos condições de iniciar a oferta do Ensino Médio integral. Ou seja, se já há dificuldade em atender o mínimo para o Ensino Médio regular – aquele anterior à reforma do Ensino Médio – mais dificuldade terá a escola em atender às novas regras, que exigem mais recursos e maior grau de planejamento. Assim, o ônus a ser exigido pode minimizar as chances de recebimento do auxílio.

Além disso, o repasse dos recursos ficará condicionado à disponibilidade orçamentária do FNDE e do MEC (Lei n. 13.415/17, art. 20), que será definida pelo MEC (Lei n. 13.415/17, art. 14, § 2º).

Esse cenário torna-se ainda mais incerto se considerarmos a plena vigência do Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional n. 95/16), que levará em conta as despesas primárias sobre educação do ano anterior, corrigidas pela inflação, como teto de gastos; e não o percentual mínimo de recursos vinculados (CF, art. 212). Com isso, a regra pode se tornar um obstáculo à implementação do Novo Ensino Médio(3).

 

O currículo

O currículo do Novo Ensino Médio será composto pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e por itinerários formativos (LDB, art. 36).


O que é a BNCC?
A BNCC é um conjunto de orientações para elaboração dos currículos da educação básica – que abrange desde a Educação Infantil ao Ensino Médio. Ou seja, a BNCC irá prever quais os temas precisam ser abordados em sala de aula e que devem compor o currículo escolar nacional.

A BNCC encontra fundamento no art. 210 da CF/88 e no Plano Nacional de Educação de 2014 (Lei n. 13.005/14), relacionando-a às metas a serem atendidas até 2024. Sua elaboração contou com ampla participação popular e ainda está em fase de elaboração(4).

Todavia, com a Reforma do Ensino Médio o cronograma foi reajustado e estima-se que a terceira versão da BNCC esteja disponível no segundo semestre de 2017(5). Na prática, sua implementação pode ocorrer somente a partir de 2018(6), uma vez que as redes de ensino precisam de prazo para adequar seus currículos.


A carga horária destinada à BNCC deve ser de até 1.800 horas do Ensino Médio, que corresponde a 60% da carga horária total do Ensino Médio integral até 2022; após a implementação do Ensino Médio integral, corresponderá a cerca de 42%.

Ou seja: até 2022, as matérias que compõem a Base Nacional Curricular Comum serão a maioria; e, após esse período, os itinerários formativos ocuparão a maior parte do currículo do Novo Ensino Médio.

Os itinerários formativos, por sua vez, correspondem ao ensino orientado, referente a cinco áreas específicas que o aluno pode optar: (i) linguagens e suas tecnologias, (ii) matemática e suas tecnologias, (iii) ciências da natureza e suas tecnologias, (iv) ciências humanas e sociais aplicadas e (v) formação técnica e profissional.

O aluno pode optar por cursar um ou mais de um itinerário formativo (LDB, art. 36, § 5º). No entanto, sua oferta dependerá da disponibilidade da rede de ensino. Assim, se houve apenas um deles, o aluno não tem como optar por uma das outras quatro áreas.

Cabe destacar que a Reforma do Ensino Médio deu primazia à formação técnica e profissional, já que trouxe elementos que permitem sua aplicação, como a parceria com outras instituições e a vivência prática (LDB, art. 36, § 6º). Ao disciplinar as especificidades da formação técnica e profissional, a norma reduziu o espaço para regulamentação futura, o que pode facilitar sua implementação em menor tempo. A título de exemplo, a Reforma do Ensino Médio não especificou de que forma os demais itinerários devem ser prestados, cujos elementos serão tratados somente na fase de regulamentação.

Outro fator que corrobora a primazia dada à formação técnica e profissional consiste em sua inclusão como uma das etapas de ensino financiadas pelo FUNDEB (Lei n. 13.415, art. 9º). O Fundo, que financia a educação básica pública, determina que a cada ano a Comissão Intergovernamental estabeleça ponderação anual para cada etapa de ensino, listadas no art. 10, da Lei n. 11.494/07. Dado que a formação técnica e profissional foi incluída como etapa de ensino, isso indica que ela terá um percentual específico, apta a garantir sua prestação a todos os alunos que cursarem esta etapa segundo o censo escolar.

No entanto, dois questionamentos emergem: (i) um possível conflito entre outras etapas de ensino semelhantes, também previstas pela Lei do FUNDEB, quais sejam: ensino médio urbano, no campo, integral, integrado à educação profissional e educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo (Lei n. 11.494/07, art. 10, X, XI, XII, XIII e XVII, respectivamente). Ou seja, questiona-se se esses dispositivos continuam válidos frente à Reforma do Ensino Médio, uma vez que há potencial conflitivo. As etapas de ensino médio urbano, no campo e integrado à educação profissional, que não são integrais, continuarão vigentes para fins de distribuição de recursos educacionais? A técnica legislativa deveria ter revogado os dispositivos mencionados para manter apenas o ensino médio integral e a formação técnica e profissional?

O (ii) segundo questionamento, mais uma vez, diz respeito ao Novo Regime Fiscal, criado pela Emenda Constitucional n. 95/16, que estabeleceu limite de gastos ao governo federal. Com a nova etapa de ensino no FUNDEB, alguns Estados podem não atingir o valor mínimo por aluno estabelecido para a formação técnica e profissional e, assim, demandar complementação federal (Lei n. 11.494/07, art. 4º). Esse auxílio não está abarcado pelo Novo Regime Fiscal (ADCT, art. 107, § 6º, I), mas eventuais despesas do governo federal para adquirir material didático – inclusive para atender à BNCC –, entre outras políticas públicas federais, serão afetadas pela limitação, impactando na qualidade da educação a ser ofertada.

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Profissionais da educação básica

A Reforma do Ensino Médio ampliou as definições de profissionais da educação básica, dispostas no art. 61 da LDB. Duas definições foram acrescidas:

1. As aulas referentes ao itinerário formativo de formação técnica e profissional, a lei podem ser ministradas por profissionais com notório saber, reconhecidos pelo sistema de ensino ou formação profissional, este último comprovado por titulação específica ou pela corporação privada em que tenha atuado.

2. Profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme regra do Conselho Nacional de Educação.

Ambas as definições não dizem respeito a professores, mas sim a profissionais que tenham notório saber ou graduados com complementação pedagógica. A exigência de titulação superior somente é expressa neste último caso, sem especificação, desde que tenha cursado complementação pedagógica — termo que não é claro. Nesse sentido, se o profissional realizar curso on-line de poucas semanas sobre o método Waldorf, ele pode ser considerado suficiente para fins de complementação pedagógica? A resposta ficará a cargo da regulação infralegal, por meio de Resoluções do Conselho Nacional de Educação e orientações dos sistemas educacionais de ensino.

Quanto aos profissionais com notório saber, ressente-se de definição específica. Isso porque, na prática, a seleção do profissional pode ocorrer de forma subjetiva, já que não há parâmetros claros a esse respeito.

A tabela, a seguir, demonstra todas as definições de profissionais da educação básica, listadas pelo art. 61.

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Com a ampliação do rol de profissionais da educação básica, há impacto sobre o FUNDEB, já que 60% dos recursos para o financiamento da educação devem ser destinados para a remuneração dos profissionais do magistério da educação básica (Lei n. 11.494/07, art. 22), cuja definição abrange “(…) docentes, profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica”.

Assim, percebe-se que, na prática, os profissionais contratados para ministrar aulas para o Ensino Médio Integral podem ser remunerados com recursos do Fundo. Ao ampliar a base de profissionais, sem apresentar fontes de custeio adicionais, pode haver impacto na remuneração docente.

Outra alteração trazida pela Lei n. 13.415/17 trata da flexibilização da regra trabalhista de proteção aos professores. A CLT determinava que o professor somente poderia ministrar quatro horas aulas seguidas por dia, ou seis intercaladas. Com a alteração, a instituição não precisa determinar o cumprimento desta carga horária diária, desde que não ultrapasse a jornada semanal estabelecida legalmente. Ou seja, o professor pode ministrar mais de quatro horas aulas seguidas por dia, desde que, ao final da semana, tenha cumprido sua jornada de trabalho.

Além disso, cabe ressaltar que a regra trata expressamente dos professores, e não abrangeu os profissionais com notório saber ou graduados com complementação pedagógica, de que tratamos anteriormente. Em tese, os professores podem se sujeitar a cargas horárias mais estressantes que a figura dos profissionais, que serão contratados pontualmente para ministrar aulas no âmbito do itinerário formação técnica e profissional.

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Lei de Radiodifusão

A Lei n. 13.415/17 alterou a Lei de Radiodifusão (Lei n. 4.117/62) acerca da transmissão obrigatória de programas educacionais pelas emissoras comerciais de radiodifusão.

A obrigação de transmitir até cinco horas de programação educacional por semana foi mantida, mas estendeu-se o período de transmissão: entre as 7 e 17 horas para as 7 e 21 horas.

A nova regra especificou que essa programação se destina à veiculação de mensagens do Ministério da Educação, como a divulgação de programas e ações educacionais. O cumprimento da norma será feito mediante a celebração de convênios entre o MEC e entidades representativas do setor de radiodifusão (Lei n. 4.117, art. 16, § 3º)(7) .

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(1) Cf. o inteiro teor em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Exm/Exm-MP-746-16.pdf.

(2) Cf. especialmente argumentos do PSOL na ADI 5599, em tramitação no STF, com relatoria do Min. Edson Fachin.

(3) Para uma análise jurídica sobre os impactos do Novo Regime Fiscal na educação, cf. nosso artigo, publicado em 10/10/2016, em: https://medium.com/@alynne.nunes1/impacto-da-pec-241-sobre-o-financiamento-da-educa%C3%A7%C3%A3o-p%C3%BAblica-como-fica-a-complementa%C3%A7%C3%A3o-federal-do-c9e01b1921f9#.ak43621wc.

(4) Cf. mais informações em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/linha-do-tempo.

(5) Cf. em: http://especiais.g1.globo.com/educacao/2016/base-nacional-curricular-comum/.

(6) Cf. perguntas e respostas sobre o Novo Ensino Médio elaboradas pelo MEC: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=40361#nemi_06.

(7) A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) noticiou que possui convênio com o MEC, que reduziu o tempo de inserção gratuita de programas educacionais, a que se refere a Lei de Radiodifusão. Cf. “Emissoras precisam veicular conteúdo educativo obrigatório”, ABERT, 13/01/2017. Disponível em: http://www.abert.org.br/web/index.php/notmenu/item/25429-emissoras-precisam-veicular-conteudo-educativo-obrigatorio.

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Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada na área do Direito Educacional e mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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