plush-design-studio-l3n9q27zulw-unsplash

Ano passado, quando o STF decidiu a respeito do corte etário para ingresso na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, estabeleceu-se a validade do parâmetro federal, que estipula a data de 31 de março como critério etário.

Acontece que até o momento, o acórdão não foi publicado, o que prejudica a compreensão sobre o alcance da decisão judicial.

No passado, cada Estado criava sua própria regra, o que gerava conflitos com a regra federal. Nessa situação, os pais recorriam ao Judiciário para fazer valer a regra estadual, quando mais benéfica a seus filhos, posto que em muitos estados, como SP e MG, a data de corte era após 31 de março. O STF, portanto, entendeu que a uniformização do critério era capaz de colocar fim ao imenso número de casos que lotavam os tribunais de todo o país.

No entanto, mesmo após a decisão do STF, dúvidas surgiram sobre o alcance interpretativo da nova regra, que se observaram na prática.

Crianças que estavam prestes a concluir a Educação Infantil e ingressar, no ano seguinte, no Ensino Fundamental, ficaram num verdadeiro limbo, posto que não completariam 6 anos até o dia 31 de março e, assim, não atingiriam a data limite. Algumas escolas sugeriram a retenção desses alunos, o que resultaria em cursar novamente a última etapa da Educação Infantil. Ou seja, o vácuo criado pela decisão do STF gerava situações esdrúxulas na prática.

A solução apresentada pelo Conselho Nacional de Educação — que, segundo o STF, tem agora a incumbência para tratar do assunto — foi a de criar norma adotando a nova data de corte e determinando sua aplicação em todo o território nacional para o ano letivo de 2019 e subsequentes. Além disso, a regra tratou de questões transitórias, resguardando o direito de continuidade nos estudos, evitando-se a esdrúxula situação descrita acima.

Assim, foi editada a Resolução n. 2, em outubro de 2018, que garantiu o direito de continuidade e de prosseguimento nos estudos. A norma deixou claro que os alunos que já estavam matriculados deveriam ter assegurada sua progressão, ainda que a data de nascimento fosse posterior a 31 de março.

Para ficar mais claro: uma criança de 5 anos, matriculada na última etapa da pré-escola em 2018, e que completaria 6 anos apenas dia 1° de abril de 2019 (portanto, um dia após a data limite), deveria ser matriculada, para o ano letivo de 2019, no 1° ano do Ensino Fundamental. Caso contrário, a criança teria que repetir a última etapa da pré-escola ou mesmo não estudar.

Essa regra, por outro lado, ainda não é capaz de reduzir a judicialização. Há dois motivos para tanto: um deles que ainda vai gerar casos no Judiciário a curto prazo; e o outro que vai continuar a existir, independente do entendimento fixado.

Uma primeira situação, que lamentavelmente ocorre com frequência, é a dificuldade das instituições de ensino em lidar com as regras transitórias. Mesmo os alunos que estão atualmente na Educação Infantil podem correr o risco de serem retidos, ou mesmo repetir o mesmo ano letivo, em razão de equivocada interpretação normativa. Dado que existe a pressão para que os novos ingressantes tenham nascido antes da nova data de corte, muitas escolas ainda relutam em efetuar a matrícula das crianças que nasceram após a data de corte, ainda que a norma seja absolutamente clara a respeito do direito de continuidade ao percurso educacional dos alunos que já estavam cursando a escola.

Ou seja, a curto prazo, se as instituições de ensino continuarem com tal interpretação restritiva, ainda haverá judicialização do assunto.

A segunda situação trata-se de casos de superdotação. Há crianças que precisam avançar de etapa educacional para outra que melhor se adequa a seu desenvolvimento intelectual. Há fundamento constitucional para isso, pois a educação brasileira deve levar em conta o indivíduo, ainda que existam regras uniformizadoras. Ou seja, nossa Constituição não admite que o aluno curse etapa educacional que não lhe seja compatível, ainda que o seja segundo os parâmetros objetivos do corte etário.

Seja na primeira ou segunda situação descrita, os pais e responsáveis devem buscar o Poder Judiciário, que, por sua vez, deve observar esses casos com cautela, e não negar liminares de forma sumária, alegando apenas que a questão etária já foi superada. Na verdade, esse tema sempre permeará o Poder Judiciário, que deve garantir o adequado cumprimento do direito fundamental à educação.

 

*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

Photo by Plush Design Studio on Unsplash

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.