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Na primeira semana de seu mandato, o presidente da república promulgou a Lei n. 13.796/19, que incluiu o artigo 7º-A à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96). O Projeto de Lei tramitava desde 2003 no Congresso Nacional, de autoria do Deputado Rubens Otoni (PT-GO).

Esta Lei determina que o aluno, seja ele matriculado em qualquer etapa de ensino – educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino superior – poderá se ausentar de prova ou de aula em dia que sua religião não permitir o exercício de tais atividades, desde que mediante prévio e motivado requerimento.

Como forma de compensação, a norma determina que a instituição de ensino pode oferecer ao aluno, sem custos adicionais, duas opções: (i) prova ou aula de reposição, ou (ii) a apresentação de trabalho escrito.

Determina, ainda, que a Lei entrará em vigor após 60 dias de sua publicação. Ou seja, dado que a Lei foi publicada no dia 4 de janeiro de 2019, entrará em vigor em 5 de março de 2019, logo no início do ano letivo de 2019. As instituições de ensino devem se adaptar às medidas apresentadas pela Lei em até dois anos.

Em matéria de gestão escolar, pergunta-se: a norma é viável?

Há enorme potencial conflitivo. Isso porque o Brasil é um país que possui pluralidade de vertentes religiosas, o que poderá acarretar em problemas práticos para o gestor escolar. Imagine-se que muitos alunos tenham que comparecer a determinado culto. O ônus para a instituição de ensino pode se revelar desproporcional, afetando o cronograma das aulas, das demais atividades escolares e/ou acadêmicas e mesmo o desempenho dos estudantes.

Outro exemplo: imagine que alunos se apresentem como satanistas ou adeptos do pastafarianismo (Igreja do Monstro do Espaguete Voador). Neste caso, a instituição de ensino não pode negar o direito à guarda religiosa, pois não cabe à instituição de ensino dizer o que é ou não religião (definição que guarda enorme complexidade), dado que esta concepção é individual. Religião não se resume a ser cristão ou acreditar em apenas uma divindade. Ao negar o direito, adentra-se no terreno da perseguição religiosa, da intolerância e da violação ao direito de liberdade de religião.

É evidente que as instituições de ensino devem respeitar a liberdade religiosa de cada indivíduo. No entanto, é preciso resguardar, também, a laicidade do Estado. Por essa razão, pergunta-se: o que de fato é liberdade religiosa?

O direito à liberdade religiosa, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, determina que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

A proteção assegurada pela Constituição Federal consiste numa obrigação de não fazer, ou seja, o Estado está proibido de impedir que uma pessoa tenha religião e também está proibido de atrapalhar cultos e demais reuniões. Nesse sentido, os cultos devem ocorrer livremente, em locais adequados para este fim. Esta é, inclusive, a lógica do ordenamento jurídico. Por exemplo, o artigo 244, I, do Código de Processo Civil, determina que não será feita a citação daquele que estiver participando de culto religioso. Fica claro que o objetivo consiste em proteger o culto e que o Estado deve aguardar sua realização para não afetar o direito à liberdade de religião.

Sob o aspecto da prática da gestão escolar, a lei que se destina à guarda religiosa nas escolas tem potencial para fomentar a desorganização dos cronogramas da instituição de ensino. Aplicar a prestação alternativa, seja a de disponibilizar outra data para a prova e aula, seja a de determinar a entrega de trabalho por escrito, acarreta em custos, como por exemplo a contratação de professores para datas e horas extras de dedicação para avaliação do trabalho entregue pelo aluno (ou pelos alunos). Se privada, a instituição de ensino poderá ampliar o valor da mensalidade, com justificativas pertinentes.

Portanto, compatibilizar o currículo escolar e acadêmico, segundo o direito de guarda religiosa, pode resultar numa tarefa hercúlea, o que pode atingir o direito à educação e mesmo o desempenho dos estudantes. Cabe às instituições de ensino questionar a norma perante o Poder Judiciário.

 

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Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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