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Artigo da semana publicado no hoje no blog do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes – IDEA, sobre o grau de eficiência da Lei n. 13.006/14, que tornou obrigatória a exibição de filmes nacionais no ensino básico. A norma não foi regulamentada, e não há parâmetros claros sobre sua aplicação. Com a reforma do Ensino Médio, seu propósito torna-se ainda mais questionável. Abaixo, reproduzimos a íntegra do artigo, assim como o link para acesso direto ao blog do IDEA.

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Luz, câmera, educação! | Como o cinema pode estimular a aprendizagem e o que a regulação nacional diz sobre isso

“O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.”

A famosa frase do cineasta americano Orson Welles revela marcante característica do cinema: a liberdade de criação. Para além do mundo cinematográfico, essa liberdade criativa também caracteriza a própria ideia de educação. Isso porque ambas as áreas encontram na imaginação potencial ilimitado para compreender a complexidade da vida e suas contradições. Na educação, a busca pelo conhecimento é capaz de transformar a maneira como lidamos com a realidade e a abstração, assim como no cinema.

Para aproximar a relação entre cinema e educação, foi criada a Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014, que tornou obrigatória a exibição de filmes nacionais, atrelado à proposta pedagógica da escola, por no mínimo duas horas mensais. O legislador entendeu que o cinema poderia otimizar o ensino, e assim o fez optando por obras cinematográficas nacionais, a fim de valorizar os filmes de nosso circuito.

Apesar das boas intenções, a lei traz impasses práticos, em virtude da ausência de regulamentação pelos órgãos competentes. Assim, qual filme deve ser exibido? Deve-se optar por obra de entretenimento ou produções que tragam mensagens edificantes? Quem vai escolher os filmes? As escolas possuem estrutura necessária para exibi-los? Os alunos podem criar seus próprios filmes e atender à exigência da lei? O que pode ser considerado filme? Videoclipes e vídeos do Youtube podem ser considerados? Qual é, na verdade, a intenção da lei: ampliar o repertório cultural dos alunos e estimular o pensamento crítico ou apenas proporcionar momento de descontração?

Esses questionamentos são relevantes porque podem potencializar ou atenuar a experiência entre educação e cinema. Na prática, os limites da realidade podem inviabilizar o cumprimento da lei, o que pode ser atribuído à ausência de um “roteiro bem construído”. Ou seja, é preciso que essa relação seja clara, a fim de estimular característica comum às áreas, marcadas pela liberdade de criação.

Por isso, a ausência de regulamentação da Lei nº 13.006/14 deixa essas questões em aberto. Porém, como no campo criativo, podemos experimentar e desenvolver modelo capaz de ressaltar ainda mais o potencial que o cinema pode oferecer, à procura de uma identidade para a lei.

Alguns Estados, inclusive, já possuem programas de incentivo à exibição de filmes nas escolas como elemento pedagógico. É o caso de São Paulo, com O cinema vai à escola, que prioriza a seleção de obras produzidas fora do circuito comercial, de qualquer nacionalidade, e que tratem de temas ligados a direitos humanos, meio ambiente, ética, entre outros. No Paraná, a Secretaria Estadual de Educação mantém página na internet na qual publica relatos de práticas pedagógicas, sugere filmes e livros, congregando informações úteis para aprofundar o estudo do tema.

A Argentina, que fortaleceu sua produção cinematográfica especialmente a partir da década de 1990, desenvolveu o programa La escuela va al cine (A escola vai ao cinema), que leva os alunos para assistirem a filmes argentinos diretamente no cinema. Baseado na experiência francesa, o programa estimula a participação dos alunos, como, por exemplo, por meio da seleção de cinco propostas discentes para melhorar o cinema argentino[1]. Assim, ao passo que os alunos ganham com a experiência, o cinema também pode se beneficiar com o olhar de crianças e jovens.

Portanto, potencializar a relação entre educação e cinema passa pela criação de roteiro definido, no qual a comunidade escolar e a sociedade civil possam se manifestar e se beneficiar conjuntamente. O campo está aberto a um fluxo constante de experimentações, no qual inexistem fronteiras.

 

Para saber mais:

  • Projeto Inventar com a Diferença. Promovido pela Universidade Federal Fluminense e Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, a iniciativa pretende capacitar educadores, abordando a temática cinema e direitos humanos. Para conhecer mais sobre o projeto e suas publicações, basta acessar o site: http://www.inventarcomadiferenca.org/.
  • Projeto O cinema vai à escola. Trata-se de projeto do Governo do Estado de São Paulo, que pretende ampliar o repertório cultural dos alunos e das alunas do Ensino Médio por meio da linguagem cinematográfica. Filmes fora do circuito comercial e que tratem de temas éticos e ligados a direitos humanos são prioritários. Para saber mais sobre o projeto, acesse: http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/Cinema/Cinema.aspx.
  • Cinema nas escolas da rede estadual paranaense. A Secretaria Estadual de Educação mantém portal na internet com sugestões de filmes e projetos que são estimulados na rede pública. Confira em: http://www.cinema.seed.pr.gov.br/.

 

Alynne Nayara Ferreira Nunes. É advogada na área do Direito Educacional e mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

[1] Cf. “El INCAA lanzó el programa ‘La escuela va al cine’”. Disponível em: http://www.incaa.gob.ar/noticias/el-incaa-lanzo-el-programa-la-escuela-va-al-cine. Acesso em: 24 jan. 2016.

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