superendividamento-educacional

O serviço de educação oferecido por instituições privadas pode envolver pagamento de mensalidades de altos valores, especialmente para cursos mais concorridos. A alta demanda e a pouca oferta de vagas torna a disputa mais acirrada e, por consequência, pode resultar em valores de mensalidades que oneram a família do estudante. O que acontece quando as dívidas chegam a patamares tão altos a ponto de comprometer a subsistência do aluno?

O Direito brasileiro possui uma nova resposta: a Lei do Superendividamento (L14181). A referida lei alterou o Código de Defesa do Consumidor, regulamentando a negociação de dívidas de alto valor. Essa novidade legislativa não é exclusiva das relações educacionais, sendo aplicável a qualquer relação de consumo. No entanto, é especialmente interessante para os universitários, sobretudo os usuários de financiamentos de cursos muito caros, como é o caso de Medicina.

 

O que dispõe a Lei do Superendividamento?

O princípio norteador da nova lei é o de evitar a exclusão social do consumidor, ou seja, evitar que a dívida seja um empecilho para que não seja afetado o mínimo existencial ou a dignidade da pessoa humana.

A ideia é a de que pessoas com dívidas altas possam buscar acordos extrajudiciais através de conciliações e mediações. Isso não quer dizer que a dívida não será paga, mas sim, que a renegociação busque preservar a dignidade do devedor.

 

O que é considerado “superendividamento”?

A lei não traz estipulação valorativa do que seria o superendividamento. O parâmetro é o mínimo existencial do devedor. Portanto, determinada dívida que comprometa sua subsistência, poderá se enquadrar na nova lei. Isso significa que a aplicação será caso a caso. Por exemplo, dívida de um curso de aperfeiçoamento de poucos meses, que via de regra, possui um valor mais baixo, poderá se configurar num superendividamento para uma pessoa de baixa renda, caso não lhe sejam informados sobre os riscos da contratação.

É importante destacar que o devedor não pode agir de má-fé, ou seja, não pode usar a Lei do Superendividamento para se eximir de cumprir com sua obrigação contratual. O pagamento da dívida deve, efetivamente, permitir que ele viva com dignidade.

 

Como comprovar o mínimo existencial?

A lei determinou que o superendividamento é assim considerado quando capaz de tornar impossível, ao consumidor de boa-fé, o pagamento de suas dívidas de consumo, sem comprometer o seu “mínimo existencial”. No direito, esta expressão, embora não possua definição previdente, determina que há um conjunto mínimo de necessidades humanas que não podem ser obstadas em função de outra não essencial. Por exemplo, o consumidor pode ter dívidas com a faculdade em aberto e sua renda não permite pagar o financiamento na íntegra, sob pena de deixar de fazer a compra do mês. Esse tipo de escolha cruel, por assim dizer, violaria o mínimo existencial, pois coloca o consumidor em situação de vulnerabilidade social.

Acontece que o tema não é simples e a própria lei deixou a cargo da regulamentação a definição do mínimo existencial.

 

A instituição de ensino é obrigada a aceitar a renegociação?

A lei prevê que, uma vez comprovado o superendividamento perante o juízo, haverá audiência de conciliação, visando a renegociação da dívida. Na audiência, a instituição de ensino poderá apresentar sua posição, propostas de pagamento e até mesmo contestar o alegado pelo devedor. A definição do pagamento será realizada caso a caso e a renegociação não deve ultrapassar prazo de cinco anos para o adimplemento.

Ocorre que, no caso de a instituição não comparecer à audiência ou não direcionar representante legal para tanto, o seu direito de cobrança fica suspenso, bem como a computação de juros de mora pela dívida.

 

E se não houver conciliação?

Não havendo conciliação entre o devedor e a instituição de ensino, o juiz poderá determinar um plano judicial compulsório, ou seja, a partir de tudo que for comprovado e alegado até aquele momento, o juízo determinará, dentro da razoabilidade, uma revisão dos valores.

 

Vale lembrar que a Lei do Superendividamento está em vigor desde julho de 2021 e que suas disposições são muito importantes para a área da educação. A prestação de serviços educacionais é de interesse social, o que faz com que a lógica jurídica mude em relação a outros serviços. No caso de educação, o fim nunca pode ser o lucro em si, mas sim o desenvolvimento social e humano que a prestação daquele serviço gera. Isso não quer dizer que as dívidas não devem ser pagas, mas sim que a dignidade do aluno deve estar acima do endividamento, garantindo-lhe condições para saldá-la.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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