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A remuneração dos professores da rede pública é um desafio constante para o gestor público municipal ou estadual. Há impasses de ordem orçamentária e mesmo legais que podem impedir o recebimento, ao menos, do valor piso, que é estabelecido nacionalmente.

O TCE/PR, ao examinar consulta do Município de Morretes, apresentou interpretação interessante sobre os impasses legais envolvendo a aplicação da Lei do Piso do Magistério.

Antes de tratar propriamente sobre esse tema, vamos abordar brevemente sobre o sistema de remuneração dos professores no Brasil e de seus impasses orçamentários e legais.

 

 

Como funciona a remuneração dos professores no Brasil?

Ao tratar da remuneração dos professores, é necessário tratar do financiamento da educação pública brasileira. A Constituição Federal determina que a educação é um direito a ser prestado pela União, Estados e Municípios e que cada um deles deve obrigatoriamente reservar parte de seu orçamento para prestar o direito à educação.

Assim, o art. 212 estabelece que a União deve aplicar, por ano e no mínimo, 18% de sua receita de impostos na educação. O percentual sobe para 25% para Estados e Municípios.

Essa receita, chamada de receita vinculada, tem parte dela subvinculada para o FUNDEB. O FUNDEB é um fundo contábil (uma conta bancária) em cada Estado da Federação, que conta com recursos vinculados de todos os entes federativos (União, Estados e Municípios). Em linhas gerais, funciona assim: o percentual dos impostos é colocado nessa conta bancária e o Estado, por sua vez, resgata o seu valor e repassa aos seus Municípios. O critério é o número de alunos matriculados.

A ideia é que a União defina nacionalmente um valor mínimo de despesas com cada aluno, de determinada etapa escolar, para fazer a repartição considerando valor atualizado. Há localidades que não conseguem alcançar esse valor mínimo, de modo que a União deve complementar.

Assim, cada aluno, independente da localidade onde mora, teria seus estudos financiados pelo mesmo valor mínimo, o que ajuda a manter a escola pública, recebimento de material e merenda, além de remuneração digna a seus professores.

Acontece que existem alguns impasses na prática. Para garantir o mínimo nas escolas, o essencial para cada estudante, o FUNDEB determina o cumprimento da Lei do piso do magistério (Lei Federal n. 11.738/08). Cerca de 70% de seus recursos devem ser aplicados para a remuneração do magistério. Só assim para ter uma educação de qualidade.

Essa lei determina que os professores da rede pública devem contar com remuneração mínima, denominada de piso, que deve ser reajustada anualmente pelo Ministério da Educação, além de cada ente federativo criar seu respectivo plano de carreira. O objetivo, por isso, é o de garantir um salário mínimo e acréscimos ao longo da carreira, como acontece com outras classes de servidores públicos.

Ao mesmo tempo, o gestor público enfrenta impasses de ordem orçamentária e legais para garantir esse direito aos professores.

O orçamento, como sabemos, é limitado e mesmo com a obrigação constitucional de determinar percentual de reserva para a educação, esse montante pode não ser suficiente. Assim, caberia ao ente federativo buscar ampliar seu potencial de arrecadação ou reduzir investimentos em outras áreas prioritárias, o que pode ser bem difícil na prática.

Sob o ponto de vista legal, o gestor público deve equilibrar suas contas de acordo com as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que coloca limites para despesas com pessoal. Por isso, não poderia comprometer seu orçamento para além do percentual estabelecido, ainda que tenha mais recursos para pagar seus funcionários e estabelecer um plano de carreira – mais oneroso a longo prazo. Descumprir a LRF resulta na aplicação de sanções imediatas.

Portanto, a situação é delicada. Ao gestor público, muitas vezes, a situação exige escolha entre cumprir a LRF e descumprir a Lei do Piso, porque se descumprir a primeira, há penalidades, enquanto que descumprir a segunda não gera consequências negativas diretas ao gestor público (a não ser insatisfação da classe do professorado).

A mudança da questão envolve alteração das leis e interpretações criativas das normas existentes, em prol do direito à educação.

 

 

Entendimento do TCE/PR

 Utilizaremos como exemplo o caso de Morretes/PR (PROCESSO Nº: 441398/20), que demonstra a jurisprudência do TCE/PR. O prefeito formulou consulta ao TCE/PR questionando, entre outras coisas, se seria possível autorizar o reajuste da remuneração dos professores, mesmo tendo índice de gasto com pessoal acima do limite legal permitido. Relatou que há professores que não recebem o piso salarial.

O TCE/PR entende, com base em sua jurisprudência, que o município que atingir o limite prudencial (95% do total máximo para despesas com pessoal), está autorizado a atualizar os vencimentos do magistério ao piso nacional, cumprindo, portanto, a Lei do Piso. Assim, não seria um aumento capaz de resultar em aumento da despesa com pessoal, vedada pela LRF, mas meramente a atualização do valor do piso, de acordo com outra lei federal, a Lei do Piso do Magistério.

Essa atualização somente pode ocorrer após o término do ano eleitoral, sendo indevida a retroatividade.

Por outro lado, o TCE/PR entendeu que o Município não poderia estender o reajuste do piso àqueles que recebem mais que o piso.

Além disso, consignou que, mesmo em dificuldades orçamentárias, o Município não deve se eximir de cumprir a Lei do Piso, promovendo reajustes no piso salarial – para aqueles que não recebiam sequer o piso (valor mínimo de remuneração).

 

 

Considerações finais

Embora os impasses para garantir a Lei do Piso sejam consideráveis, a ponto de inviabilizar seu cumprimento na prática, temos que há dois impasses principais: os limites do orçamento (que é finito) e a inflexibilidade da LRF.

O TCE/PR considerou esses aspectos e privilegiou o direito à educação, determinando que a Lei do Piso é sim aplicável e deve ser respeitada e interpretada em conjunto com a LRF.

Ou seja, ainda que o município esteja enquadrado no limite prudencial em razão das despesas com pessoal, pode ultrapassá-lo quando for necessário para garantir o recebimento do valor do piso para aqueles docentes que sequer recebiam esse montante.

Por um lado, garante-se o mínimo e é louvável essa preocupação e interpretação conjunta das normas; por outro lado, nota-se a inviabilidade prática para a criação de um plano de carreira, que preveja incentivos para a continuidade na carreira docente e para perseguir sua valorização, essencial para que a educação brasileira avance em qualidade.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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