lei do piso

A Lei Federal nº 11.738/2008 criou piso salarial para os professores da rede pública de ensino, além de determinar a criação de plano de carreira. Esse é um dos mecanismos para tornar carreira mais atrativa, pois a Constituição Federal estabelece a valorização docente como princípio educacional.

De acordo com a Lei, o governo federal deve definir todo ano o valor do piso a ser aplicado pelos Estados e Municípios. Em 2022, foi estabelecido o valor de R$ 3.845,63.

Na prática, há dificuldades em cumprir o piso e, por consequência, o plano de carreira. Sinteticamente, por dois motivos: 1) porque os Estados e Municípios podem enfrentar dificuldades financeiras, cuja ajuda federal é insuficiente; e 2) por existir conflito entre a Lei do Piso e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar nº 101/2000), mesmo que existam recursos.

E é sobre este segundo ponto que vamos tratar neste artigo.

O conflito entre a Lei do Piso e a LRF acontece porque esta última coloca limites sobre despesas com pessoal. Os Estados e Municípios devem destinar para pagamento de pessoal, no máximo, 60% de sua receita corrente líquida (LRF, art. 19), sendo que, para o Executivo (órgão que contrata os professores), este limite não pode exceder 49% na esfera estadual e 54% na esfera municipal (LRF, art. 20, II, c; III, b).

Se o prefeito ou governador ultrapassar este limite, fica impedido de conceder ajuste na remuneração dos servidores públicos, criar cargos, entre outras sanções (LRF, art. 22, parágrafo único), travando as atividades públicas.

Ou seja, para o gestor público fica o dilema se vai cumprir a Lei do Piso ou a LRF, pois, ainda que tenha recursos, pode esbarrar no limite máximo de despesas com pessoal, impedindo o cumprimento do piso e do plano de carreira.

Considerando as sanções que a LRF impõe, é comum que a Lei do Piso seja preterida, dado que esta sequer prevê sanções em caso de descumprimento. O gestor público usa essa justificativa pois teme as sanções dos tribunais de contas e ações de improbidade administrativa por ter despesas acima do limite prudencial da LRF.

Além disso, o ajuste realizado anualmente pelo governo federal impacta sobremaneira nos Estados e Municípios. Ainda que sejam observados os critérios da própria Lei do Piso, a dificuldade em atendê-lo tornou-se mais acentuada nos últimos anos, ainda mais porque o ajuste é realizado unilateralmente pela União, cuja implementação cabe aos Estados e Municípios. Nesse sentido, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) sustenta que o ato federal que determinou aumento de 33,24% para este ano é inconstitucional por interferir demasiadamente na autonomia orçamentária dos municípios[1].

O problema se dá em nível estrutural da carreira e atinge todo o país. Assim, ainda que exista esforço da União em oferecer auxílio financeiro, o ente pode esbarrar nas dificuldades impostas pela LRF, esvaziando a Lei do Piso.

Há projetos de lei no Congresso Nacional com o objetivo de flexibilizar a LRF para garantir recebimento do piso salarial e de plano de carreira – este último observável em longo prazo e que promove sua atratividade.

Considerando a necessidade premente de equacionar a questão, os Tribunais de Contas foram suscitados para orientar Estados e Municípios frente às necessidades de atender a Lei do Piso e a LRF. Ou seja, como compatibilizar os valores das legislações?

Há interpretações recentes dos órgãos de controle de que o cumprimento do piso não é vedado pela LRF, pois não se sujeita aos seus limites. Isso porque o pagamento é reajustado anualmente, sendo mero ajuste real e definido pela Constituição Federal, que se sobrepõe à própria LRF. Essa é a interpretação dos Tribunais de Contas de MG[2], PR, MT[3] e RN[4].

Evidente que a garantia da Lei do Piso ainda não é uma realidade no Brasil, embora as interpretações mais recentes dos Tribunais de Contas permitam, ao menos, o recebimento do piso quando houver conflito com a LRF.

De todo modo, enquanto não há uniformidade no tratamento do tema em nível nacional, é possível realizar consultas junto aos tribunais de contas dos Estados e Municípios sobre outros aspectos da Lei do Piso e sua imbricação com a LRF. Uma assessoria jurídica com foco na realidade local pode trazer elementos empíricos relevantes, a fim de destacar os argumentos que conferem substrato jurídico para cumprimento da Lei do Piso e atendimento da LRF.

Os tribunais de contas exercem importante papel para as políticas públicas educacionais, e podem oferecer norte para Estados e Municípios sofisticarem a aplicação de recursos, com responsabilidade fiscal e valorização docente, como disposto na Constituição Federal.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

#direitoeducacional 

[1] Disponível em: http://arom.org.br/arom-faz-consulta-oficial-ao-tribunal-de-contas-sobre-o-aumento-do-piso-salarial-do-magisterio/.

[2] “Pagamento do piso da educação não precisa observar limites da LRF, diz TCE”, O Tempo, 24 mar. 2022. Disponível em: https://www.otempo.com.br/politica/pagamento-do-piso-da-educacao-nao-precisa-observar-limites-da-lrf-diz-tce-1.2640815.

[3] Disponível em: https://www.consultordoprefeito.org/single-post/aumento-do-sal%C3%A1rio-do-professor-e-o-limite-de-despesas-com-pessoal.

[4] Disponível em: https://www.tce.rn.gov.br/Noticias/NoticiaDetalhada/4204#gsc.tab=0.

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