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As regras existem basicamente para regular algo que é aplicável a todos. Para tanto, a regra precisa ser pública, ou seja, para que seja aplicável ao todo ou a um determinado grupo, as pessoas devem conhecê-la, ter acesso ao seu conteúdo.

As relações sociais, por sua vez, tornam-se cada vez mais sofisticadas e exigem regras internas. Assim, não somente o Estado, por meio do Poder Legislativo e Executivo, cria regras, mas também as instituições particulares, de qualquer setor econômico, para trazer organização aos seus trabalhos e buscar o tratamento igualitário. A regra serve, sem dúvida, como auxílio para a tomada de decisão e para evitar conflitos.

Na área educacional, não é diferente: as escolas e as universidades também criam suas próprias regras, aplicáveis para sua própria comunidade, por meio de Regimentos internos – que também podem ser denominados como regimento escolar, regimento geral ou somente regimento.

Mesmo que a instituição de ensino seja privada, o oferecimento de serviços educacionais a equipara a instituições públicas, uma vez que educação é um serviço de interesse público e de extrema importância ao desenvolvimento social do país.

Por essa razão, há um enorme conjunto de regras no Direito Educacional. Desde as regras da Constituição Federal, leis federais, estaduais e municipais, regras de órgãos específicos, como as dos Conselhos e Secretarias de Educação, como também as regras das próprias instituições de ensino.

As regras das instituições de ensino também devem guardar as características de serem direcionadas a todos – isto é, a todos aqueles que integram aquela comunidade escolar ou acadêmica – e públicas – ou seja, devem ser divulgadas àqueles que fazem parte da comunidade escolar ou acadêmica.

Isso é assim para evitar que existam arbitrariedades, para que os dirigentes não criem orientações a seu bel-prazer, evitando o cumprimento até mesmo das regras do Poder Público. A frase atribuída ao monarca francês, Rei Luís XIV, “L’Etat c’est moi” (“O Estado sou eu”), não pode ser a prática vigente, no sentido de que o gestor age de acordo com seus próprios objetivos, de maneira absolutista, sem necessidade de observância das regras.

Além disso, o fato de as regras terem um período de vigência é algo que confere segurança jurídica àqueles que se sujeitam a elas. Por isso, as alterações não podem ser feitas sem enfrentar determinada formalidade. Assim, mesmo o gestor de uma universidade privada, por exemplo, deve ter seus poderes limitados pelo regimento da instituição de ensino, evitando posturas autoritárias, capazes de corroer essa estrutura institucionalizada.

Para entender melhor, vamos recorrer à história de nosso país. No período da ditadura militar no Brasil, foram editados os “decretos secretos”. Eram publicados no Diário Oficial apenas o número do decreto e sua ementa (espécie de resumo do conteúdo), mas o conteúdo, em si, não era publicado porque era considerado sigiloso. Ou seja, era uma regra aplicável a todos ou a uma categoria, publicada no Diário Oficial para surtir efeitos jurídicos, porém não garantia qualquer publicidade ao seu conteúdo, prejudicando o direito daqueles que incidissem naquela norma.

Mas aqueles não eram tempos democráticos. Sabemos que, ao todo, foram editados treze decretos, dos quais não conhecemos todo o conteúdo até hoje. E qual a implicação de não saber o conteúdo de uma norma? A impossibilidade de defesa. Naquela época, imagine-se se alguém fosse preso ou processado por ter infringido o texto de um dos decretos secretos, como poderia o advogado defendê-lo tecnicamente?

Hoje vivemos em um contexto de democracia, em que a publicidade e a ampla defesa são princípios expressos na Constituição Federal. No entanto, o exemplo dos decretos é ilustrativo sobre a dificuldade de acesso ao conteúdo de uma regra pode reverberar em relações de poder desiguais.

Por isso, é muito importante exigir a publicidade do regimento da instituição de ensino onde estuda. Pode ser que você tenha dificuldade para localizá-lo e, se isso acontecer, cobre para ter conhecimento de seus direitos e deveres e saber as regras do jogo, caso seja necessário defender-se sobre algo. Assim, se o aluno tiver que requisitar o acesso ao regimento administrativamente, porque não conseguiu fazê-lo através do seu portal, já houve desrespeito ao direito à publicidade dos atos.

Se o regimento não é público, como saber se a regra a qual o aluno deverá se submeter já estava expressa em seu texto antes do procedimento administrativo? A publicidade do regimento é o que garante segurança jurídica a todos os envolvidos na relação de ensino.

Por essa razão os decretos secretos ilustram a importância da publicidade e o quanto sua ausência revela desigual relação de poder. Esteja atento ao regimento interno do seu curso e à devida publicidade. O regimento não apenas direciona o funcionamento do curso, mas também protege os alunos e professores de eventuais práticas ilegais das instituições de ensino.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membra consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.

Imagem: Rhii Photography on Unsplash.

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