desvio produtivo educacional

A teoria do desvio produtivo, desenvolvida pelo jurista Marcos Dessaune, consiste na perda de tempo do consumidor na tentativa de resolver falha de produto ou serviço, o que resulta em evento danoso.

Muitos de nós já enfrentamos essa situação: perder tempo em filas bancárias, ficar horas no telefone conversando com o SAC e o assunto não ser resolvido, são alguns exemplos. Na prática, os serviços de atendimento atribuem responsabilidade a outros setores e o consumidor simplesmente não consegue resolver seu problema.

Essa perda de tempo é um desvio produtivo. Ou seja, o consumidor deixa de dar atenção às suas tarefas cotidianas — estudar, trabalhar, assistir a um filme, ler um livro, etc —, para tentar resolver um problema no qual o fornecedor não é ágil, tampouco solícito em garantir-lhe resolução eficaz e satisfatória.

O desvio produtivo, por sua vez, deve ser indenizável porque a perda do tempo útil é um dano causado ao consumidor. Dessaune (2019, p. 16) enfatiza que está equivocada a jurisprudência que concebe tais fatos como mero aborrecimento.

O mesmo autor ainda trata sobre o comportamento de perfis distintos de fornecedores, que são aqueles que fornecem produto ou serviço (CDC, art. 3º). Nesse sentido, profissionais autônomos, empresas de pequeno porte e órgãos públicos podem não apresentar resposta rápida para problemas de consumo, por mero ato culposo. Afinal, podem não possuir um setor específico para atendimento (idem, p. 19).

Por outro lado, empresas de grande porte, nacionais ou estrangeiras, podem se aproveitar da situação, a partir de seu poder econômico, “(…) para impor ao consumidor, veladamente, o próprio modus solvendi desses problemas: utilizar-se das mais variadas justificativas ou artifícios para omitir, dificultar ou recusar sua responsabilidade por eles” (idem, p. 20).

Ou seja, é a prática de atribuir ao consumidor o ônus de resolver um problema causado pelo próprio fornecedor, que em vez de ser prestativo e diligente nos termos da legislação, simplesmente não apresenta andamento ao caso, não dá respostas claras ou qualquer solução.

A teoria tem sido largamente aplicada nos tribunais, com entendimentos sedimentados no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No REsp 1737412/SE (DJe 08/02/2019), reconheceu-se dano moral coletivo por descumprimento das regras de atendimento presencial em agências bancárias, relativas ao tempo máximo de espera em filas, à disponibilização de sanitários e ao oferecimento de assentos a pessoas com dificuldades de locomoção. Ficou assentado que o fornecedor (agências bancárias) preferiu otimizar sua margem de lucro em prejuízo da qualidade do serviço, imputando tal ônus ao consumidor, prejudicando, portanto, seu tempo útil.

Esse impasse é comumente notado na seara educacional. Alunos tentam contatar o setor administrativo da universidade, mas não recebem retorno. O meio de comunicação se tornou massificado, intermediado por aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, que registram os “chamados”, porém o funcionário não dá encaminhamento às questões ou mesmo tem dificuldades sobre como proceder, muitas vezes por ausência de treinamento e orientação de seu próprio empregador.

Essas práticas se intensificaram na pandemia. E assim o tempo vital gasto nas tentativas de solução do caso se amplia, impactando em outras atividades da vida cotidiana do estudante.

Paralelo ao argumento de Dessaune, de que as empresas de grande porte podem utilizar de subterfúgios para omitir, dificultar ou recursar sua própria responsabilidade, essas práticas também podem ocorrer mais comumente nas instituições de ensino de grande porte, que possuem dificuldades em investir num setor administrativo eficiente. O resultado: milhares de registros no ReclameAqui e aumento de processos judiciais para resolução de questões simples, seja de ordem financeira ou pedagógica.

Trata-se de dever das instituições ser eficiente na resolução das demandas, cujo alunado não deve ficar a mercê de sua própria temporalidade e ausência de comprometimento. Por isso, relevante que as informações sejam claras, assim como a resolução das questões, além de dispor sobre prazo máximo para atendimento.

Isso porque também é aplicável ao setor educacional o Decreto nº 11.034/2022, que trata sobre as diretrizes do atendimento ao consumidor. A mesma regulação também é aplicável às instituições de ensino públicas, que ainda deve seguir a Lei Federal nº 13.460/2017, que trata sobre a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos.

A jurisprudência também tem reconhecido a aplicação da teoria do desvio produtivo em casos educacionais[1], razão pela qual reforçamos essa tese para demonstrar a recalcitrância no descumprimento das regras consumeristas na relação jurídico-educacional. Com a comprovação do dano, passível o pedido indenizatório.

A indenização, nesses casos, além de ter a função compensatória e/ou reparatória, também deve servir para elidir a continuidade das práticas danosas ao consumidor, razão pela qual esse fator deve ser computado no cálculo do pedido indenizatório. Ou seja, o valor precisa ser capaz de provocar a instituição de ensino a repensar suas práticas, em prol da observância da legislação e equilíbrio nas relações de consumo. É preciso levar a legislação a sério, assim como o direito à educação.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

 

Referências

DESSAUNE, Marcos. Teoria aprofundada do desvio produtivo do consumidor: um panorama. Direito em Movimento. Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 15-31, 1º sem. 2019.

[1] STJ: AREsp 1722405 (DJe 22/09/2020), AREsp 1671680 (DJe 14/05/2020), AREsp 1167382 (DJe 17/09/2018), AREsp 1271452 (DJe 20/08/2018) e AREsp 1167245 (17/05/2018).

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