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Uma das propostas do Ministério da Educação é o de implantar escolas cívico-militares. O argumento é o de que esse modelo educacional apresenta resultados mais efetivos para os alunos. Apesar de não existir pesquisa comprovando sua eficiência, a proposta pretende melhorar o posicionamento do país nos rankings educacionais (PISA)[1].

Recentemente, foi liberado pelo Governo Federal um Manual das Escolas Cívico-Militares aos entes federativos que optarem por adotar o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), bem como a sugestão de que o modelo tenha adesão em nível estadual.

 

Mas se a política pública adotada é Federal, não deveriam os Governos Estaduais aderirem?

Não necessariamente! O tema de competências federativas é complexo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) determina que a União possui “função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais” (art. 8º), dando liberdade organizacional aos demais entes federativos. Desta forma, fica determinado que os entes federativos (Estados e Municípios) podem organizar o acesso à educação de acordo com as necessidades específicas da região. Por essa razão, não é possível que o Governo Federal imponha o uso das escolas cívico-militares ao Estados; a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional veda esta hipótese.

E o que há de diferente no Manual divulgado pelo Ministério da Educação?

O Manual, a princípio, traz diretrizes comuns de educação, como o incentivo às liberdades democráticas no ensino, respeito às individualidades de cada pessoa e a promoção de ensino de qualidade. As novidades estão no tratamento militar do ensino, que não fazem parte da grade curricular atual nas escolas:

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 Fonte: MANUAL DAS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES

 

De forma geral, as regras estão de acordo com a proposta de uma escola cívico-militar, que possui o objetivo precípuo de iniciar alunos que tenham interesse na carreira militar. No entanto, o programa é apresentado no manual como uma política pública na busca pela melhora nos indíces educacionais do país. A partir dessa perspectiva, o uso das escolas cívico-militares passa a ser uma complicação, justamente por possuir uma proposta pedagógica específica e que não representa a universalidade com a qual a Educação deve estar comprometida.

Enquanto escolas públicas, estes espaços devem estar preparados para receber alunos e famílias com diferentes orientações e perspectivas educacionais, de forma que a obrigatoriedade da formação e marcha “ordem unida” ou o uso de cabelos curtos, sem tintura ou presos em rabos de cavalo e tranças, não compactuam com o plano pedagógico desejado por todas as famílias.

Além disso, é preciso que o ambiente escolar público esteja apto a receber alunos de maneira heterogênea, respeitando seus estilos e culturas. Dentro das regras impostas, como ficam os meninos que gostam de usar cabelos compridos e as meninas que optam por cabelos curtos (acima dos ombros)?

Para além dos aspectos de apresentação pessoal, a rigidez comportamental pode não ser do agrado de todos os pais e responsáveis, que podem se identificar com projetos pedagógicos diferentes. É preciso que as escolas públicas estejam aptas a receber todos os alunos, com um projeto pedagógico universal, que não esteja comprometido com os valores de uma carreira específica.

Por esses motivos expostos, o programa apresentado pelo Governo Federal precisará ser amplamente discutido com a sociedade e apresentar pesquisas empíricas, que comprovem seus resultados positivos. A ideia não é a de que as escolas cívico-militares não podem ser implementadas, mas tão somente de que não podem ser apresentadas como uma política pública universal, justamente por não abarcarem todos os alunos em suas propostas, o que confronta a Constituição Federal.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.


 

 

[1] Informações disponíveis no Jornal G1: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/12/03/brasil-cai-em-ranking-mundial-de-educacao-em-matematica-e-ciencias-e-fica-estagnado-em-leitura.ghtml>. Acessado em: 5 de fevereiro de 2020.

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