matriz-curricular

Quando um aluno passa no vestibular e efetua sua matrícula no curso desejado, recebe a Matriz Curricular com todas as matérias que deverá cursar ao longo dos semestres, bem como a sequência em que esse conteúdo será transmitido.

Este deve ser o procedimento, independentemente da área de conhecimento que tenha sido escolhida. Assim, é possível ter dimensão da duração do curso e previsão de término. Mas será que a matrícula efetuada nessa matriz curricular prévia é um direito adquirido do aluno? Em outras palavras: pode a instituição de ensino alterar a matriz curricular (também denominada de grade) enquanto este esse ciclo acadêmico está em curso?

Para tanto, é necessário compreender alguns conceitos jurídicos que envolvem a relação entre aluno e instituição de ensino.

É preciso esclarecer, inicialmente, que o desenho normativo do Direito Educacional segue uma hierarquia.

Como se em fosse uma pirâmide, a Constituição Federal ocupa o topo dessa ordenação, sendo as suas disposições, portanto, as mais fortes. Em seu artigo 207 ela prevê que as universidades são dotadas de autonomia universitária. Mas o que isso significa na prática?

 

A Constituição Federal e autonomia universitária

A autonomia universitária é o princípio constitucional que garante às instituições de ensino que elas atuem de forma independente sob quatro aspectos: (i) o didático-científico, ou seja, liberdade de ensino e pesquisa; (ii) o administrativo, sendo a universidade autônoma para se autogerir; (iii) de gestão financeira, permitindo que a universidade busque meios próprios de financiamento e, por fim, (iv) patrimonial, que implica na autonomia de gerir seu patrimônio, como os prédios do campus, por exemplo.

No caso da matriz curricular, a autonomia universitária que protege a atuação universitária é a didático-científica, tendo a instituição de ensino liberdade para construir o desenho acadêmico e pedagógico para ministrar seus cursos, o que inclui atualização da matriz e suas eventuais mudanças.

A modernização da matriz é um dever das universidades e um direito do aluno, uma vez que interfere diretamente na qualidade do curso. No entanto, é preciso lembrar que a autonomia universitária não é um direito absoluto e que a legislação que está abaixo da Constituição regulamenta de que forma as universidades poderão exercer esse direito/dever de atualização da matriz.

 

A Lei de Diretrizes e Bases e a alteração na Matriz Curricular

Seguindo o desenho da nossa pirâmide, chegamos à lei específica que regulamenta a educação no Brasil: a Lei de Diretrizes e Bases – LDB (Lei nº 9.394/96 – L9394). Dessa forma, tendo assegurado a Constituição a autonomia às universidades para que a matriz seja alterada, a LDB estabelece como isso será feito, afinal, essa alteração tem efeito direto sobre o aluno.

Por essa razão, a referida lei prevê que essa alteração curricular siga as diretrizes por ela estabelecidas para a educação superior (art. 53, II). Apesar de a LDB ser a lei que regulamenta a educação no Brasil, suas normas são, via de regra, mais abrangentes, cabendo ao MEC especificá-las às instituições de ensino.

 

As regras específicas sobre Matriz Curricular

A Administração Pública Educacional compreende os órgãos governamentais que cuidam da regulamentação do ensino superior, como é o caso do Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE). Esses órgãos criam normas para serem aplicadas pelas instituições de ensino superior. Seguindo nossa pirâmide normativa, logo após a Lei de Diretrizes e Bases, estão os decretos, portarias e notas técnicas que esses órgãos podem emitir.

Essas espécies normativas costumam ser elaboradas por técnicos e especialistas da área educacional, direcionando a interpretação que deve ser dada às demais regras citadas (Constituição Federal e LDB).

No caso da alteração da matriz curricular, a Portaria nº 40 do MEC, de 12 de dezembro de 2007, estabelece que a mudança no percurso acadêmico do curso não pode comprometer seu padrão de qualidade ou as condições de inscrição, ou seja, a mudança deve ser realizada sob o fundamento de melhorar o curso e não pode ser tal a ponto de inviabilizar a continuidade do aluno que já havia se matriculado. Deve-se preservar o direito do estudante.

Além disso, a alteração deve ser aprovada pelo colegiado superior da própria instituição de ensino e ser comunicado ao Ministério da Educação. Por fim, deve ser dada ampla publicidade à comunidade acadêmica sobre as mudanças aprovadas, a fim de que os alunos e professores possam se adaptar às mesmas.

Ou seja, embora seja possível juridicamente alterar a Matriz Curricular durante o curso, a instituição de ensino deve publicar amplamente esta informação, além de realizar as adaptações necessárias visando à preservação dos direitos dos estudantes.

Essas alterações, por sua vez, devem ser benéficas aos alunos, considerando-se que não podem existir alterações bruscas em seu percurso educacional. Caso contrário, o aluno poderá ser “penalizado” por alteração mais profunda em sua trajetória, numa hipótese em que a instituição de ensino promove alterações estruturais, sendo necessário fazer inúmeras disciplinas.

Em situações como a descrita acima, não há paridade na relação jurídica, ou seja, a instituição de ensino pode impor ao estudante alteração desproporcional, que torne mais difícil visualizar o fim do curso, e mesmo ter certeza de sua adequação frente à carga horária.

Por isso, é fundamental que as alterações sejam expostas de forma clara e benéficas ao alunado para não gerar distorções contratuais, por exemplo, que impactam na relação jurídica estabelecida entre instituição de ensino e aluno.

Cada caso possui sua peculiaridade, de modo que devem ser observados os fatos junto com as normas.

Por essa razão, é prudente buscar auxílio técnico especialmente quando a alteração curricular prejudicar sobremaneira o aluno.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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