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Início de ano letivo, muitos alunos e alunas realizam o sonho de ingressar na universidade. Após enfrentarem o vestibular, é chegado o momento de conhecer a universidade, os professores e os novos colegas. No entanto, uma preocupação surge: o trote.

Tradicionalmente, o trote representa celebração do ingresso na universidade, mas nem sempre ocorre de forma despreocupada e festiva. Se violento, sujeita os calouros a situações degradantes, constrangedoras, muitas vezes resultando em riscos à sua integridade física e psíquica. A prática, embora antiga, não tem relação com o que se pretende vivenciar no ambiente universitário, que deveria ser marcado por apoio mútuo e respeito aos direitos humanos.

Para coibir trotes violentos, a prática foi vedada pelas Leis n. 10.454/99 e n. 15.892/15, ambas do Estado de São Paulo. Não há regulação nacional sobre o tema, motivo pelo qual é preciso verificar se as Assembleias Legislativas Estaduais e órgãos correlatos já o abordaram em seus respectivos ordenamentos.

É importante ressalvar que o trote, em si, não deve ser terminantemente proibido, mas sim o trote violento. Os chamados trotes solidários, cujos alunos buscam recursos para ajudar a quem precisa, devem, por outro lado, ser incentivados. Assim, as boas-vindas aos alunos e às alunas calouras torna-se de fato um momento de celebração, amistoso e solidário.

Trataremos, a seguir, de quatro questões sobre as consequências jurídicas do trote violento, e suas repercussões para a formação discente. Vamos a elas?

 

  1. O que fazer caso eu sofra violência psicológica ou física?

Nos trotes violentos, os calouros sujeitam-se às ordens dos veteranos, ainda que contra sua própria vontade. Há relatos de diversos tipos de violência, como cortar o cabelo à força, ingestão forçada de bebida alcóolica, entre outros casos[1] capazes de colocar em risco a integridade física e psíquica daquele que participa do trote.

Se você for vítima de trote violento, tome as seguintes providências:

  • Comunique o fato à universidade, para que convoque os alunos e busque por solução dialogada, evitando a ocorrência de outras situações semelhantes e também para punir os agressores.
  • Procure uma Delegacia Policial e registre Boletim de Ocorrência. Relate o que sofreu durante o trote. O agressor pode ser responsabilizado pelo crime de ameaça, lesão corporal, constrangimento ilegal e injúria. Evidentemente, a depender da situação, outros crimes podem ser imputados ao agressor.
  • Documente todos os atos para futuramente ingressar com ação indenizatória contra os agressores e contra a Universidade, que falhou em seu dever de assegurar a integridade física e/ou psíquica de seus alunos.

 

  1. Mesmo se realizado fora do campus, a Universidade é responsável?

Sim. É irrelevante onde o trote violento ocorreu, se dentro ou fora do campus da Universidade, já que os alunos veteranos são, muitas vezes, os organizadores de trotes violentos. A Universidade deve zelar pela formação ética de seus alunos e alunas durante toda sua trajetória acadêmica e estimular a boa convivência entre eles.

O fundamento jurídico segundo o qual a Universidade possui tal dever consiste no Código de Defesa do Consumidor, já que, enquanto prestadora de serviços educacionais, deve responder pelos danos causados aos alunos.

Além disso, segundo a Lei Estadual n. 10.454/99 as instituições de ensino devem adotar medidas preventivas a fim de evitar sua prática, de modo que não lhe é permitido agir com condescendência ou omitir-se, ignorando a gravidade dos trotes violentos.

 

  1. Na universidade onde estudo, o trote violento é uma prática reiterada. O que posso fazer contra essa prática?

Em primeiro lugar, não se sinta coagido ou coagida a participar do trote violento. Se não quiser participar, ignore eventuais investidas dos colegas de que haverá supostas represálias. Caso isso ocorra, busque o Conselho Acadêmico, o diretor de seu curso e exponha a situação. Além disso, exija medidas responsivas da Universidade, pois a ausência de ações éticas pode refletir na qualidade do profissional que a Universidade procura formar.

Em resumo, você pode agir da seguinte forma:

  • Sensibilizar os alunos e as alunas – procure o diálogo e exponha suas razões para que os alunos encarem o trote de outra forma, mais humana e responsável.
  • Exija medidas da Universidade – como, por exemplo, incentivar o trote solidário e apoiar programas de saúde mental para aqueles que estão ingressando no ambiente acadêmico, além de outras medidas de integração. Os alunos e as alunas podem participar da formulação de propostas, em conjunto com a direção da Universidade.
  • Faça valer as disposições do Regimento Interno e Código de Ética da instituição. Não tem uma cópia? Saiba que é seu direito exigi-lo.
  • Demonstre apoio aos alunos calouros – esteja disposto a orientá-los e a tornar o ingresso na Universidade mais acolhedor.

 

  1. Tenho medo de não participar e sofrer retaliações durante o curso. O que fazer?

É importante assegurar sua própria autonomia. Por isso, não se sinta coagido a praticar algo que não deva fazer. Não grave vídeos, mensagens ou qualquer outro material que possa denegrir sua imagem. Lembre-se de que isso pode afetar seu futuro profissional, já que, se publicados na internet, podem ser acessados facilmente em qualquer lugar do mundo e a qualquer tempo.

Por outro lado, é importante ter em mente qual o papel da instituição de ensino e qual profissional você pretende ser. Cobre medidas, esteja disposto a fazer valer a máxima segundo a qual a educação é instrumento para o exercício da cidadania, desenvolvimento humano e construção de uma sociedade justa e solidária.

 

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Alynne Nayara Ferreira Nunes. É advogada na área do Direito Educacional e mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br. Siga-nos no Facebook e fique atualizado sobre o Direito Educacional: https://www.facebook.com/ferreiraNunesDireitoEducacional.

 

[1] Cf. casos reais em Mundo Estranho, 24/01/2012, “Quais foram os trotes mais cruéis do Brasil?”. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/cotidiano/quais-foram-os-trotes-mais-crueis-do-brasil/.

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