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Já tivemos a oportunidade de tratar em diversos artigos sobre o corte etário para o ingresso nas fases da pré-escola e anos iniciais do Ensino Fundamental. Em resumo, o STF determinou, em julgamento de 2018, que a definição de ingresso com 4 e 6 anos, respectivamente, nessas etapas escolares, são constitucionais. A Corte deixou a cargo do MEC a definição do momento do corte etário, ou seja, em qual período do ano deve se considerar os “anos completos”.

Assim, o MEC, por meio do Conselho Nacional de Educação, publicou a Resolução n. 2, em outubro de 2018, definindo a data de corte como 31 de março, e garantindo o direito de continuidade às crianças que já estavam matriculadas cujas datas de nascimento eram posteriores à data de corte, a fim de evitar retenção dos alunos.

Ainda que essa regra tenha trazido certa definição ao corte etário, ela não tratou sobre situações específicas, que demandem a avaliação do aluno.

É preciso esclarecer que a definição de 31 de março foi concebida também como elemento para determinar a distribuição de recursos orçamentários para financiar as escolas públicas, já que as atribuições de cada etapa de ensino são repartidas entre Estados e Municípios.

Por isso, essa métrica é global e não pode ser utilizada como previdente para todos os casos, pois as situações individuais devem prevalecer, se assim suficientemente provadas, de acordo com fundamento jurídico-constitucional e de acordo com a jurisprudência estabelecida após 2018.

Nesse sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 208, V, garante o acesso aos níveis mais elevados de ensino, segundo a capacidade cada um. É uma regra que dá suporte ao elemento subjetivo, do indivíduo. Ou seja, enquanto as leis que organizam a educação no Brasil tratam os alunos de maneira uniforme, para fins de gestão e fiscalização, deve-se considerar, ainda, o sujeito, para verificar qual a melhor situação a ele.

Assim, em casos em que o sistema tradicional, de acordo com as regras de corte etário, não é adequado ao caso da criança, é preciso perseguir qual o seu melhor interesse.

O melhor interesse da criança é o elemento que deve guiar a interpretação desse tipo de regra. Com fundamento no princípio constitucional da prioridade absoluta, disposto no art. 227, a criança deve ser protegida pelo ordenamento jurídico e sua condição individual deve ser avaliada detidamente para extrair qual o melhor interesse a ela.

Por isso que laudos médicos, psicológicos, psicopedagógicos e de outros profissionais técnicos são essenciais para compreender suas necessidades, quando manifesta a incompatibilidade frente à regra do corte etário – por distintas razões, seja por determinado grau de desenvolvimento cognitivo, sensação de inadequação em espaço com crianças maiores ou menores, proximidade entre a data de nascimento da criança e a data do corte etário, entre outros elementos que merecem ser avaliados por profissional da área da saúde e que podem ser usados para instruir eventual processo judicial, capaz de demonstrar a especificidade das condições desse sujeito e que é necessário interpretar a regra do corte etário em seu benefício.

Esses são os fundamentos de natureza constitucional.

Por sua vez, também há jurisprudência consolidada dos tribunais, de vários estados do país, que deixam claro, mesmo após o julgamento do STF e da publicação da regra do CNE, que o critério individual deve se sobrepor ao critério etário, de maneira que deve ser realizada interpretação extensiva, considerando-se também o princípio da razoabilidade, a fim de garantir o melhor interesse à criança.

Portanto, fica claro que a decisão do STF não pacificou o assunto por completo, pois demandou regra do CNE que, por sua vez, também não tratou sobre situações excepcionais. Para esses casos, cabe aos responsáveis ingressar com demanda judicial, a fim de primar pelo melhor interesse da criança.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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