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Os acontecimentos da vida cotidiana e o lapso temporal de resposta jurídica a esses fatos nem sempre estão em perfeita sintonia. O Direito costuma ter uma resposta retardatária em relação às mudanças do dia a dia. Isso não significa, no entanto, que o ordenamento não possua uma resolução aos problemas que a sociedade enfrenta, significa somente que essa esperada resposta jurídica pode vir depois que um determinado fato já esteja consolidado faticamente.

Essa consolidação de um contexto fático não possui previsão legal, ou seja, não há nenhum dispositivo da legislação brasileira que diga que uma situação já concretizada seja protegida pelo Direito. No entanto, há construção jurisprudencial dessa tese e ela recebe o nome de Teoria do Fato Consumado.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “aplica-se a teoria do fato consumado nas hipóteses em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo em razão de ordem judicial concedida em mandado de segurança”. (STJ, AgRg no AREsp 460.157/PI, j. 20/03/2014).

No Direito Educacional, a Teoria do Fato Consumado possui grande relevância, pois é muito comum que a resposta jurídica ao caso seja dada após a consolidação daqueles fatos. Quando o contexto fático já está solidificado, a reversão do quadro poderá acarretar prejuízos irreparáveis às partes, devendo haver o sopesamento pelos magistrados desses efeitos.

O Superior Tribunal de Justiça julgou um caso em que essa teoria foi aplicada no Direito Educacional. Um aluno de ensino médio, ao se formar, não recebeu seu diploma a tempo de realizar sua inscrição na Universidade. Assim, o aluno buscou assegurar sua matrícula através de um Mandado de Segurança, que foi negado em primeira instância. Apelou ao Tribunal Regional Federal, que deferiu a liminar, sob o entendimento de que a responsabilidade pela mora na entrega do diploma era da escola, não do estudante. A Universidade não se conformou com a decisão, cujo caso foi para o STJ, mas somente três anos após o deferimento da liminar. Diante desse contexto, a Corte aplicou a Teoria do Fato Consumado, pois entendeu que seria irrazoável o aluno ter seu direito prejudicado por problemas administrativos da escola, tendo sua matrícula se consolidado naquele contexto, após o deferimento da liminar. Esse julgamento se deu em sede de Recurso Especial e pode ser acessado através do link: REsp 1.244.991.

Outra situação também julgada pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria educacional: o Enade é uma prova promovida pelo Ministério da Educação que visa avaliar o desempenho dos estudantes concluintes de Ensino Superior. O STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que é obrigatório que os alunos convocados realizem a prova, sendo esta uma condicionante ao recebimento do diploma. Ocorre que o estudante obteve liminar para a concessão de diploma em primeira instância, tendo o processo sido julgado pelo STJ apenas dois anos depois.

Diante desse contexto, a Corte entendeu que o estudante já se encontrava no mercado de trabalho, exercendo sua profissão. Nesse caso, a situação fática já se encontrava consolidada, tendo sido aplicada a Teoria do Fato Consumado, dado que a reversão do quadro poderia trazer danos irreparáveis ao aluno. Esse julgamento também ocorreu em sede de Recurso Especial e pode ser acessado através do link: REsp 1.346.893.

Desta forma, a Teoria do Fato Consumado está a serviço da segurança jurídica, que é um princípio constitucional, e da proteção dos direitos individuais e coletivos das pessoas envolvidas. O uso dessa tese é subsidiário e restrito a casos concretos específicos, em que o direito do aluno será sopesado com a legislação aplicável.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.

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