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O corte etário foi um tema de grande impacto para a Educação brasileira porque delimita a idade em que a criança deve ingressar na pré-escola da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Em 2018, o STF decidiu que cabe ao governo federal, por meio do MEC, estabelecer a data de corte a ser aplicada nacionalmente, dado que anteriormente cada estado estabelecia sua data de corte específica. Mesmo com a uniformização, há muitas dúvidas sobre as novas regras. Vamos entender melhor o que é o corte etário?

 

O que é o corte etário?

Para explicar o que é o corte etário, precisamos compreender como funciona a estrutura de regras educacionais no Brasil. Em 1996 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L9394). Ela estabelece normas gerais, ou seja, normas que abrangem todo o território brasileiro.

Em 2006, a LDB teve um acréscimo, prevendo que: (i) o Ensino Fundamental passaria a ter 9 anos de duração e; (ii) o ingresso no Ensino Fundamental se daria a partir dos 6 anos de idade. Essas duas regras são complementares, pois tinham o objetivo uniformizar o acesso à alfabetização na data certa, garantindo que todas as crianças tivessem acesso à essa etapa tão importante da formação escolar.

Para tanto, o MEC, por meio do Conselho Nacional de Educação, estabeleceu que a data de corte é 31 de março. Isso significa que estão aptas a ingressar na pré-escola da Educação Infantil toda criança que completar 4 anos até 31 de março; e estão aptas a ingressar no Ensino Fundamental todas as crianças que completarem 6 anos de idade até 31 de março. Assim, uma criança que completasse 6 anos em fevereiro de 2021 estaria apta a cursar o ensino fundamental naquele ano de sua matrícula, enquanto uma criança que completasse 6 anos em novembro de 2021 deveria esperar o ano seguinte para ingressar na referida etapa.

 

Meu filho nasceu dias depois do dia 31 de março, o que fazer?

 Esse é um dos pontos da regra do corte etário que mais geram dúvidas. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do corte etário, de modo que o MEC criou regra determinando ser este o dia 31 de março. Até então, havia muita dissonância na jurisprudência e nas regras dos Estados.

Ocorre que, para crianças que tenham nascido pouco tempo depois da data da corte, essa regra poderá ser flexibilizada. Um dos objetivos da fixação de uma data de corte é a de que não haja uma discrepância muito acentuada entre a idade dos alunos. Uma criança nascida no final do ano completará 6 anos meses depois daqueles nascidos no início, o que pode gerar diferenças no momento do desenvolvimento do aluno. No entanto, esse fundamento perde sua força diante de crianças que tenham nascido poucos dias depois da data máxima de corte etário. Nesse caso, o Poder Judiciário poderá ser acionado a fim de subsumir a regra do corte etário ao caso concreto, prestigiando o fundamento da lei, e não sua literalidade.

 

Meu filho não se adapta ao período em que ele foi matriculado na Educação Infantil, o que fazer?

O desenvolvimento de cada aluno é único, de forma que a interpretação literal da regra do corte etário, sem uma análise de seus efeitos no processo de aprendizagem individual, afronta a Constituição Federal. A constituição brasileira possui disposições dedicadas à Educação, sendo uma delas a de que o acesso ao ensino deverá levar em consideração a capacidade de cada um:

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (Grifamos)

 

Assim, seja para seu adiantamento escolar ou para que permaneça em sua atual fase de ensino, é direito do seu filho que seu desenvolvimento seja levado em consideração. Essa avaliação pode ser feita por psicopedagogos. O importante é que o ambiente seja estimulante e adequado ao desenvolvimento de habilidades do aluno.

 

É necessário que meu filho seja superdotado para avançar de etapa?

Não. A resposta a essa pergunta segue a mesma lógica da última: o fator relevante é o desenvolvimento do aluno. Nem sempre ele precisa mostrar superdotação para avançar nas etapas de ensino. Basta que seu desenvolvimento pedagógico não esteja correspondente ao seu respectivo ano.

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Como apresentado, as regras relacionadas ao corte etário geram dúvidas e muitas vezes não abrangem os casos excepcionais. Em situações assim, é preciso que os responsáveis e as escolas estejam alinhados na busca do que é melhor para o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança, sempre com acompanhamento de profissional capacitado. Para os casos em que esse diálogo apresenta ruídos, é possível acionar o Poder Judiciário, que atuará como garantidor do melhor interesse da criança.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membra consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

*Victoria Spera Sanchez é estagiária do Ferreira Nunes Advocacia em Direito Educacional. Foi aluna da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público em 2019. É graduanda em Direito na PUC/SP. E-mail para contato: victoria@ferreiranunesadvocacia.com.br.

Imagem: Sigmund on Unsplash.

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