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No clássico “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (Willy Wonka and the Chocolate Factory, Dir. Mel Stuart, 1971), Willy Wonka (Gene Wilder) abriu as portas de sua fábrica para crianças que encontraram bilhetes premiados em barras de chocolate.

Acompanhadas de seus responsáveis, as crianças estão ansiosas para conhecer a fábrica, mas antes devem assinar um contrato. Mas não é qualquer contrato.

Excêntrico, Willy Wonka apresenta um documento imenso, pomposo, protegido por cortinas douradas. Ele apenas chama as crianças para assinarem, sem apresentar qualquer explicação sobre as cláusulas.

Ao ser questionado sobre o objeto do contrato, Wonka responde que é um contrato padrão, nada demais. O pai da Violet se espanta com as letras miúdas e diz que só assinará contratos na presença de seu advogado. Contrariado, o irônico Wonka afirma que quem não assinar simplesmente não vai entrar na fábrica. Todos assinam, independente das consequências e do que esteja escrito no contrato. Afinal, as crianças desejam conhecer a Fantástica Fábrica de Chocolate! [a cena pode ser assistida aqui]

Sobre o que propriamente o Sr. Wonka gostaria de ser isento de responsabilidade? Não teria sido mais ético explicar às crianças e aos responsáveis sobre os riscos que a fábrica apresentava?

[spoiler] Fica claro somente ao longo do filme que os riscos não são pequenos; pelo contrário, os diversos experimentos realizados pelos Oompa Lumpas ainda estão em fase de testes, e afetaram os visitantes de formas variadas. [fim do spoiler]

Afinal, como o filme pode nos ajudar a entender o conceito de cláusulas abusivas?

Para tanto, precisamos compreender o objetivo de um contrato. Os contratos servem, em nossa sociedade, para formalizar atos de vontade, nos quais as partes acordam sobre algo, com base em diálogo prévio. Esse acordo deve ser equilibrado, sem colocar uma parte em desvantagem. A ideia, portanto, é garantir a paridade e que o acordado seja cumprido.

Por sua vez, cláusulas abusivas (também denominadas de leoninas) são aquelas que restringem direitos, que colocam uma das partes em evidente desvantagem, contrárias à lei e à boa-fé. Ou seja, o papel não aceita tudo.

Se analisarmos somente esta cena do filme, com base na legislação brasileira, notamos que, ao impedir que os responsáveis tenham acesso ao contrato, recebam uma cópia, tenham tempo suficiente para avaliar e refletir sobre suas cláusulas, já há violações legais. Além disso, há a condicionante: a criança somente entrará na fábrica se assinar o contrato. Não há espaço para discussão das cláusulas, que tampouco são transparentes (as letras são tão miúdas que somente com uma lupa é possível lê-las). Isso sem adentrar em outros aspectos, como o de que a criança não pode assinar contrato porque é considerada incapaz para os atos da vida civil.

Mesmo os contratos de adesão, aqueles que já vem pronto para assinar, como os de telefonia, de compra de produtos pela internet, por exemplo, devem buscar o equilíbrio entre as partes. Há, nesse sentido, legislação que protege o consumidor, e que considera nulas as cláusulas que o sujeitem a situações de evidente desvantagem. Assim, ainda que assine, poderá o consumidor questioná-las posteriormente.

Na educação, o tema é tratado da mesma forma que os contratos protegidos pelo Direito do Consumidor, de modo que não é razoável, tampouco aceitável, que estudantes devam aceitar todas as cláusulas de eventual contrato celebrado com instituição de ensino. Há cláusulas cuja natureza exorbitante deve ser questionada. Assim, são nulas cláusulas que determinam valores desproporcionais de multa, ou mesmo cláusulas que afastem o questionamento do contrato perante o Poder Judiciário. Não pode se admitir, portanto, restrição de direitos. Ainda que tenha que assinar como condição para aceitar algo, as cláusulas exorbitantes podem ser questionadas judicialmente.

Por isso, os contratos são atos que pressupõem equilíbrio entre as partes, sem coação ou condicionantes irrazoáveis. É preciso ler com calma e assinar somente se estiver ciente de seu conteúdo. É relevante que a escrita das cláusulas seja clara e não em letras miúdas. Aquele que elaborou o contrato deve ter paciência e dedicar-se a explicar todo o seu conteúdo ao subscritor. Recomendações como essas são fundamentais para evitar a restrição de direitos e promover o diálogo e o respeito nas relações jurídicas.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

Créditos da imagem: Willy Wonka and the Chocolate Factory, Dir. Mel Stuart, 1971.

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