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A violência e o abuso sexual infantil é uma realidade em nosso país e que é observada em diversas classes sociais. Só em 2020, foram mais de 150 mil denúncias [1], sendo que mais de 60% das situações ocorreram dentro de casa. Estima-se, ainda, que apenas 10% dos casos são notificados. A ausência de registros incentiva a impunidade, haja vista a facilidade do criminoso em manipular a vítima.

Se a maioria dos casos acontece em casa, a escola é o local em que a criança pode apresentar sinais de que é vítima de abuso.

Precisamos compreender o comportamento para tomar as providências. De acordo com profissionais da área, os principais indicadores são [2]:

  1. Mudança de comportamento: apresenta medo; era mais expansiva, se torna mais introvertida; rejeita ir a locais/cumprimentar determinadas pessoas; comportamento arredio e ansioso; desconcentração na escola; come muito ou come pouco; não troca de roupas; medo de dormir, de ficar sozinha;
  2. Proximidade excessiva com determinada pessoa, especialmente a sós: o abusador, geralmente da família da criança, quer manter proximidade, convida para festas, passeios, dá presentes, uma vez que manipula emocionalmente a vítima;
  3. Regressão: volta a ter comportamentos infantis que já tinha abandonado, como o de fazer xixi na cama, chupar dedo, chorar;
  4. Segredos: abusador pede segredo sobre os atos, comprando a vítima e chantageando-a;
  5. Comportamento sexualizado: criança começa a desenhar genitais, chama outras crianças para brincadeiras de cunho sexual; uso frequente de palavras chulas para referir-se às partes íntimas;
  6. Comportamentos violentos: criança pode rejeitar colegas, professoras e demonstrar agressividade; também pode ser observada a auto-agressão, uma vez que passa a “odiar seu corpo”, em função dos abusos e chega a desconfiar de seu próprio senso de realidade, tamanha a manipulação do criminoso;
  7. Marcas físicas: manchas no rosto, corpo, machucados, recusa em mostrar os machucados, inchaços na região dos genitais;
  8. Família negligente: mesmo abastadas, há famílias que delegam a criação do filho para funcionários, ou deixam a criança livre para brincar com qualquer pessoa, sem supervisão de adulto conhecido e de confiança; a violência às crianças não é restrita a uma classe social; falta de atenção dos pais para com a criança, alegando excesso de trabalho.

O que a escola pode fazer?

Em primeiro lugar, é importante ter em mente que a criança é vulnerável e que deve ser acolhida, e não julgada, neste momento. Ela deve desenvolver confiança na escola e no corpo docente, se sentir ouvida para que possa expor o que vivencia.

Assim, ao suspeitar de provável abuso, a escola deve coletar registros sobre seu comportamento e conversar com a Direção e Corpo Docente. Em reuniões com a presença do Conselho de Classe, os professores devem expor, com riqueza de detalhes, sobre o comportamento da criança, as situações vivenciadas, registrando-as em ata. Descrever, também, o comportamento dos pais sobre as atividades escolares, se comparecem às reuniões, se são pouco participativos, agressivos, entre outros fatores.

Na sequência, a escola deve comunicar o caso suspeito às autoridades competentes.

Se assim não fizer, pode ser responsabilizada por omissão, nos termos do art. 245, do ECA:

“Art. 245. Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.”

Como comunicar às autoridades competentes?

  1. Disque 100 – Ouvidoria de violações de direitos humanos, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania;
  2. Encaminhar ofício ao Conselho Tutelar pedindo providências, sempre com riqueza de detalhes e a partir do registro em ata;
  3. Encaminhar ofício à Promotoria da Infância e Juventude, junto ao Ministério Público Estadual, sempre com riqueza de detalhes e a partir do registro em ata;
  4. Encaminhar ofício à Vara da Infância e Juventude da região escolar, sempre com riqueza de detalhes e a partir do registro em ata.

 

A escola não pode ter receio de comunicar às autoridades em função do poder social ou econômico das famílias. Isso porque a criança continuará a sofrer e não terá meios de defender-se.

Além disso, a escola precisa agir na prevenção. As aulas podem abordar, de forma sensível, que as partes genitais das crianças não podem ser tocadas por adultos, e que elas precisam contar para as professoras caso tenha ocorrido algo dessa natureza. Conscientizar, por meio da educação, é prevenir e garantir o direito à infância livre.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

#direitoeducacional 

Foto de Caroline Hernandez na Unsplash

 

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