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Com a facilidade de acesso a novas tecnologias, cursos a distância (EAD) tornaram-se uma constante no ensino superior brasileiro. Baixo custo e possibilidade de estudar em qualquer lugar com acesso à internet são uns dos fatores que indicam o sucesso dessa modalidade.

Dados do INEP demonstram que, entre 2011 e 2021, o número de alunos ingressantes em cursos EAD aumentou 474%. Houve aumento exponencial em cursos oferecidos pela rede privada de ensino superior, de maneira que em 2021 o ensino a distância representa 41,4% do alunado universitário brasileiro[1].

Nesse sentido, estima-se que 60% dos formados em pedagogia no país fizeram graduação a distância[2]. A tendência é que esses profissionais atuem na rede pública de ensino, como professores da educação básica. Serão os docentes responsáveis por formar a nova geração, o que demonstra a intrínseca relação entre ensino superior e educação de nível básico.

Embora tenha propiciado facilidade de acesso ao ensino superior, há, no entanto, críticas à modalidade. Material padronizado e desatualizado, baixa remuneração docente, alunos pouco familiarizados com o autodidatismo, falta de contato com professores e polos com infraestrutura deficitária. Dados revelam significativa disparidade no desempenho acadêmico de alunos que fizeram graduação a distância, quando comparados com aqueles que fizeram cursos presenciais[3].

Por outro lado, aqueles que defendem o modelo apontam que a tecnologia proporciona acesso ao ensino superior a baixo custo, tornando essa etapa do ensino menos elitista e universalizada. No entanto, é notório que o próprio mercado de trabalho se organiza continuamente e pode oferecer menos oportunidades aos formados a distância, considerado o desempenho acadêmico dos alunos.

Em que pesem os prós e contras, precisamos abordar a regulação do ensino superior a distância no Brasil. Há diferenças com relação ao ensino presencial?

Para tanto, necessário recorrer à lei basilar sobre o ensino brasileiro: Lei Darcy Ribeiro (Lei n. 9.394/96, LDB). Promulgada em 1996, tratou sobre ensino a distância mesmo em seu texto originário, período em que ainda não existia smartphones e internet banda larga. O acesso a computadores e a celulares era restrito a uma camada muito restrita da população. Existia, claro, o ensino a distância, mas se limitava a cursos livres e de curta duração, por meio de revistas e materiais impressos[4].

O art. 80 da LDB ressalta que o Poder Público deve incentivar o ensino a distância em todos os níveis e que cabe à União regulamentar o tema.

 

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
1º A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.
3º As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.
4º A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá:
I – custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens e em outros meios de comunicação que sejam explorados mediante autorização, concessão ou permissão do poder público;              (Redação dada pela Lei nº 12.603, de 2012)
II – concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;
III – reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais.

 

A norma somente foi regulamentada em 2005, o que coincide com o início da massificação de bens de consumo tecnológicos no país. Posteriormente, a norma foi revogada pelo Decreto Presidencial n. 9.057/2017, que atualmente regulamenta o assunto.

Assim como no ensino superior presencial, o MEC deve credenciar e recredenciar instituições de ensino, além de autorizar e reconhecer cursos superiores. Trata-se de efetiva função fiscalizatória com o objetivo de assegurar padrões mínimos de qualidade.

As instituições serão, assim, submetidas à avaliação in loco (art. 13) para “verificar a existência e a adequação de metodologia, de infraestrutura física, tecnológica e de pessoal que possibilitem a realização das atividades previstas no Plano de Desenvolvimento Institucional e no Projeto Pedagógico de Curso”.

Permite, ainda, parcerias entre a IES e outras pessoas jurídicas, “para fins de funcionamento de polo de educação a distância, na forma a ser estabelecida em regulamento e respeitado o limite da capacidade de atendimento de estudantes”. Trata-se de meio para evitar prática comum, porém ilegal, na qual o aluno cursa em instituição não credenciada e posteriormente recebe diploma de outra instituição de ensino, credenciada, parceira da primeira.

Sobre atividades presenciais no curso a distância, o Decreto deixa claro que tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e de defesa de trabalhos devem ser realizadas nos polos ou em ambiente profissional.

Art. 4º As atividades presenciais, como tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos, previstas nos projetos pedagógicos ou de desenvolvimento da instituição de ensino e do curso, serão realizadas na sede da instituição de ensino, nos polos de educação a distância ou em ambiente profissional, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais.

Os polos são os locais onde os alunos devem realizar as atividades presenciais (Portaria Normativa n. 11, de 20/06/2017). É necessário que um polo tenha (art. 11 da Portaria):

I – salas de aula ou auditório;
II – laboratórios de informática;
III – laboratórios específicos presenciais ou virtuais;
IV – sala de tutoria;
V – ambiente para apoio técnico-administrativo;
VI – acervo físico ou digital de bibliografias básica e complementar;
VII – recursos de Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC;
VIII – organização dos conteúdos digitais.

 

Além disso, as IES que ofertam ensino a distância devem se submeter ao Decreto Presidencial n. 9.235/2017, que trata sobre as funções do MEC, no âmbito da regulação, supervisão e avaliação do ensino superior.

Caso não haja elementos suficientes para manter o curso, seja por queda na qualidade ou por outro motivo, o MEC deve, a partir das denúncias – que podem ser formuladas pelos alunos, destaca-se – instaurar procedimento sancionador (Decreto n. 9.235, art. 62).

Ao analisar o caso, o MEC pode determinar a suspensão do ingresso de novos alunos, da oferta de cursos, vedar novos polos de educação a distância e até mesmo intervir na instituição de ensino (art. 73, II, b)[5].

O Decreto ainda veda a identificação no diploma sobre a modalidade de ensino cursada pelo aluno (art. 100), uma maneira de evitar diferenciação na contratação de profissionais.

Além das regras citadas, há um aspecto muito relevante quando se considera a qualidade do ensino. Veja que a regulação do MEC exige um plano pedagógico mínimo, infraestrutura tecnológica, entre outros atributos. No entanto, a definição desses documentos cabe à instituição de ensino que, por sua vez, goza de autonomia universitária.

Embora seja direito constitucional e tenha inegável importância histórico-social, a autonomia universitária tem sido usada lamentavelmente como subterfúgio para práticas escusas. Não há, por exemplo, regras específicas sobre quantidade de docentes por polo, determinação para que os alunos participem de simpósios, de atividades que exijam participação e reflexão em grupo, como forma de colocá-lo em contato com a pluralidade de ideias e de sujeitos, com maior grau de presença nos polos.

Esses aspectos, tão fundamentais para a formação, ficam a cargo de cada instituição de ensino. Ao cortar despesas, adota-se ensino mais mecanizado e padronizado, prejudicando turmas inteiras. Há casos de IES que usaram robôs para corrigir provas, cujos alunos sequer sabiam da manobra e os professores eram orientados a silenciar-se[6]. Até mesmo a permissão para realizar provas em polos ou em “ambiente profissional” (Decreto n. 9.057/2017, art. 4º) pode resultar em avaliações realizadas em ambiente digital, reduzindo a participação do aluno em atividades no polo.

Mas o que fazer caso o curso perca a qualidade, a ponto de não ter professores tutores qualificados na área do conhecimento, não ter provas presenciais, não ter material atualizado e polo sem os requisitos elementares?

O aluno pode registrar sua demanda junto à Ouvidoria da instituição de ensino e pedir providências. No entanto, pode não ser suficiente. Nesses casos, necessário acionar o MEC[7] e o Ministério Público Federal (MPF). Esses órgãos são obrigados a apresentarem um retorno, por isso é importante insistir e pressionar por resultados em prol da melhora na qualidade da educação.

Ainda que recebam o diploma, os alunos formados em cursos a distância podem enfrentar dificuldades em ingressar em debates mais qualificados em sua área de formação e mesmo para seguir com estudos em pós-graduação. Assim, o diploma precisa ser um meio para ascensão social e continuidade dos estudos; não um fim em si mesmo.

Portanto, observamos que há regras; não há bala de prata para resolver a questão, tampouco cenário em que não existem leis ou balizas mínimas. Notadamente, as instituições precisam executar suas competências, ouvir alunos e professores. Isso porque a formação deficitária repercute na trajetória acadêmico-profissional do aluno e nos rumos da sociedade.

Enquanto o ensino a distância se torna precarizado, o presencial de qualidade, especialmente das instituições de ensino mais tradicionais, se torna acessível à parcela diminuta da sociedade, onde não há ganho efetivo, a não ser cada vez mais elitismo e estratificação social. É preciso avançar o debate pela qualidade na educação superior, que atinge diretamente a educação básica e impacta o futuro de gerações.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

#direitoeducacional

 

[1] Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-da-educacao-superior/ensino-a-distancia-cresce-474-em-uma-decada.

[2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/07/a-cada-dez-professores-formados-no-pais-seis-fizeram-graduacao-a-distancia.shtml.

[3] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/ensino-a-distancia-contribui-para-perda-de-qualidade-da-educacao-diz-professora/#:~:text=Ensino%20%C3%A0%20dist%C3%A2ncia%20contribui%20para%20perda%20de%20qualidade%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o%2C%20diz%20professora,-%C3%80%20CNN%20R%C3%A1dio&text=Os%20dados%20do%20Exame%20Nacional,a%20%C3%A0%20dist%C3%A2ncia%20(EAD)..

[4] Nesse sentido, cf. FARIA, Adriano Antonio. A história do Instituto Universal Brasileiro e a gênese da educação a distância no Brasil. Dissertação (Mestrado). Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2010.

[5] Hipótese essa nunca aplicada na história do MEC. Pedido de acesso à informação, 23480.002411/2020-31.

[6] Disponível em: https://apublica.org/2020/04/laureate-usa-robos-no-lugar-de-professores-sem-que-alunos-saibam/.

[7] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/nucleo-de-ouvidoria.

 

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