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 Contexto e compreensão do problema

Ataques em escolas não são meros casos isolados: são sintomas de um problema social. E problemas sociais, por sua própria natureza, têm raízes e soluções complexas. Não há saídas simples e imediatas, mas a necessidade de um trabalho articulado e contínuo.

Compreendê-los como meros episódios isolados, alegando que o criminoso agiu após suposto surto mental é desconsiderar a realidade da cultura do ódio perene na sociedade. Compreendê-los isoladamente pode resultar somente em ações repressivas, pois quase impossível prever quando o doente mental terá um surto específico voltado a dizimar vidas inocentes em ambiente escolar.

Ao identificar que o problema é maior, suas causas devem ser investigadas, sendo possível prevenir e evitar que vidas sejam perdidas e que a comunidade escolar fique traumatizada. Se esse é o objetivo, evitar perdas, precisamos nos concentrar na identificação do problema e em sua prevenção. O caos social foi produzido pela própria sociedade, adoecida e polarizada, que teve como elementos agravadores a ascensão da extrema direita e o isolamento provocado pela pandemia. Podemos afirmar que foi essa sociedade adoecida que criou o ambiente propício para a ação dos criminosos.

Já há pesquisas que tratam sobre o perfil dos agentes: crianças ou jovens rapazes, brancos, com acesso à internet, histórico de bullying, problemas de saúde mental, baixa autoestima, características antissociais e com famílias desestruturadas (CAMPANHA, 2022). São cooptados por grupos de ódio na internet, onde ecoam suas insatisfações.

Sentem que o mundo não os acolhe e que o caminho é exterminar seus pretensos inimigos.

O grupo, por outro lado, aceita o comportamento agressivo. O recruta não precisa explicar o motivo de sua frustração, assim se torna simples integrá-lo. No fundo, há um interesse em ser ouvido, em ser amado, em ser parte de algo. De forma distorcida, esse é o único espaço em que eles se sentem parte. O ódio não nasce de um dia para o outro. A baixa tolerância com a frustração também é um traço marcante desses sujeitos. Para eles, o culto à morte é a forma de resolver a injustiça que alegam ter vivido em toda sua existência.

A True Crime Community (TCC) incentiva essas ações e alça o criminoso à condição de herói. Quando se suicida na ação, é tomado como referência para novos ataques, num sistema que se retroalimenta e coopta pessoas cada vez mais jovens.

A escola é o alvo.

Isso porque a escola é o espaço de convivência por natureza. Local onde a diferença se faz presente. Logo, os ataques não são casos isolados; tem estrutura e um alvo definido: estudantes e professores.

O objetivo é descredibilizar a escola, desestabilizar aqueles que estudam e trabalham com educação.

Os criminosos se vangloriam de supostamente explorar a “brecha” do sistema que pretendem prejudicar: livre acesso à internet, ausência de controle nas redes sociais, polícia despreparada e sem conhecimento técnico para investigar as redes sociais, e o fato de que, na prática, a escola não possui estrutura, nem treinamento, para conter o agressor e prevenir ataques.

Ao praticarem o ato, a TV mostra as imagens dos criminosos, cenas das violências, o que deixa a comunidade do TCC em polvorosa. A polícia parece perdida e, como forma de colocar panos quentes e satisfazer a ânsia por contenção de danos, alega que é meramente um caso isolado. Sociedade clama por soluções simples e punitivistas. Revisitam o tema da maioridade penal. Pais reconsideram se vão manter seus filhos nas escolas, pedem policiais armados no ambiente escolar. Dissemina-se o caos público, com divulgação de fake news que variam desde um suposto jogo que incentivaria as mortes a comentários sobre o perfil do criminoso pela vizinhança, geralmente tido como tímido, estranho e introspectivo. Cria-se uma narrativa caricata e sensacionalista. Essa simplificação colabora para a disseminação do caos. Nessa linha, políticos oportunistas pedem por mais armas, contribuindo para a cultura de violência, desconsiderando que os ataques são ainda mais sangrentos nos países em que o armamento é de fácil acesso pela população. A solução, portanto, não é meramente imediata e repressiva, mas exige estratégia, planejamento e ações contínuas de prevenção.

Evidente que o criminoso precisa ser punido rigorosamente – e essa é uma medida repressiva –, mas outros atentados podem acontecer a qualquer momento porque este não é um problema isolado; é um problema social.

Prevenir exige ações coordenadas, complexas, porém efetivas.

Assim, o que a escola pode fazer para evitar ataques repentinos? Como cuidar da segurança dos alunos e professores?

 

Medidas para prevenção nas escolas

  • Exposição do caso nas redes sociais

Especialistas no tema recomendam expressamente que a mídia e a sociedade (páginas das escolas nas redes sociais) não divulguem o nome e nem as imagens dos responsáveis pelo atentado[1]. A divulgação atiça os grupos extremistas e servem de incentivo para novos casos. O criminoso, de personalidade reclusa e arredia, geralmente vítima de bullying, pretende deixar sua “marca na sociedade” e ser reconhecido pelo feito tido como heroico pelos membros do grupo radical.

Assim, o recomendável é:

  • Não divulgar nome dos criminosos ou de seu grupo;
  • Não divulgar imagens dos criminosos, ainda que sejam fotos não relacionadas com o atentado;
  • Não divulgar imagens do atentado, a fim de também preservar a imagem das vítimas;
  • Não divulgar detalhes sórdidos do atentado, como facadas, tesouradas, entre outras descrições gráficas;
  • Não divulgar imagens das vítimas, em qualquer circunstância, ainda mais quando menores, pois exige autorização específica de seus responsáveis;
  • Não usar imagens de crianças ou alusivas ao objeto utilizado para praticar violências, entre outras referências gráficas ao atentado, a fim de chamar atenção em redes sociais;
  • Evitar uso de expressões como massacre, terrorismo, que embora qualifiquem o ocorrido, enaltecem os criminosos. O ideal é referenciar como atentado, tragédia, atos violentos.
  • Manifestar solidariedade sobre o ocorrido e pedir reflexão sobre ataques extremistas (não mencionar detalhes sobre o atentado);
  • Falar do assunto não significa incentivar os grupos extremistas. É preciso falar para se posicionar e provocar reflexões para que tenhamos sempre em ação as medidas preventivas.

 

Medidas repressivas

É preciso cuidado e sensibilidade para conhecer os alunos e seus comportamentos. São crianças e jovens em idade de formação e vulneráveis, muitas vezes, a grupos extremistas, em função do descontrole das redes sociais e de uma série de problemas sociais.

Alunos homens, brancos e heterossexuais costumam ser os agentes dos atentados (CAMPANHA, 2022, p. 6). Há registros de que os alunos estão integrando tais grupos cada vez mais jovens[1] e passam a apresentar os seguintes comportamentos:

  • Interesse ávido e incomum por assuntos violentos;
  • Comportamento hostil (fala grosserias, cara fechada, semblante de revolta);
  • Depredação dos móveis escolares;
  • Recusa de falar com professores, especialmente professoras e gestoras;
  • Agressividade e uso de expressões discriminatórias;
  • Exalta ataques em ambientes escolares ou religiosos (CAMPANHA, 2022, p. 6);
  • Recusa em realizar atividades.

Ao identificar tais comportamentos, a escola deve tomar providências. Isso não significa tratar o aluno como potencial criminoso, mas compreender o motivo de suas ações e buscar apoio para que ele inicie processo de desradicalização.

O que pode ser feito:

  • Registrar em ata, com detalhes, o comportamento do aluno e informar aos professores, de maneira ética e responsável, sem expô-lo a situações vexatórias;
  • Obter, se possível for, registros sobre o comportamento do aluno (imagens de câmeras), cadernos com insígnias de grupos extremistas, conversas em WhatsApp em tom ameaçador que podem ter sido encaminhadas à escola pelas famílias ou outros alunos, verificar redes sociais (Facebook, Instagram, TikTok);
  • Registrar Boletim de Ocorrência com as provas obtidas;
  • Reportar o fato à Supervisão/Diretoria de Ensino, por escrito;
  • Registrar o ocorrido no portal do Ministério da Justiça, no âmbito do Programa Escola Segura: https://www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura;
  • Comunicar ao Conselho Tutelar local.

É preciso destacar que os alunos são crianças e jovens e foram cooptados por esses grupos para dar vazão a um sentimento de vingança em virtude de sofrimento experimentado na escola ou em sua comunidade. Não são ouvidos pela família, escola, comunidade e acabam se sentindo acolhidos pelos grupos radicais, que oferecem espécie de solução exterminadora para suas queixas. Consideram-se invisíveis para a sociedade, sem identidade; são repressivos, entendem que não podem ser amados. O bullying contribui para questionamentos sobre sua identidade, sendo presa fácil para grupos radicalizados.

Interessante observar os relatos de pessoas que deixaram de ser radicais, no âmbito da ONG Life After Hate, dos EUA: https://www.lifeafterhate.org/resources/. Os depoimentos convergem no sentido a desradicalização se inicia quando o sujeito é afastado dos grupos radicais, ocasião em que passam a questionar sua realidade e a interagir com diferentes. Sair da bolha é uma solução.

 

Medidas preventivas

 

  • Explicar o que é o radicalismo e o extremismo e seus efeitos nefastos sobre a humanidade;
  • Praticar a escuta ativa. Escola precisa ser local de acolhimento e de efetivo combate ao bullying;
  • Formação contínua dos professores e colaboradores para identificar comportamentos hostis e uso dos símbolos e iconografia extremista (CAMPANHA, 2022, p. 8). Os alunos dão sinais antes de praticarem algo;
  • Educação crítica sobre os efeitos da mídia e das redes sociais;
  • Apoio psicológico;
  • Envolver família nas atividades escolares e, caso sejam omissos, comunicar ao Conselho Tutelar;
  • Programas de prevenção e repressão ao bullying;
  • Permitir que os alunos falem, se relacionem, construam sua identidade com liberdade;
  • Solicitar que a ronda escolar esteja alguns dias da semana acompanhando as entradas e saídas dos estudantes.

 

Para além da escola

Há casos recentes de atentados praticados por ex-alunos, por homens que não mais estão em idade escolar, embora sejam jovens e afastados do convívio social. Eles encontraram apoio em grupos extremistas das redes sociais que incentivam os ataques e anseiam a divulgação pela mídia. Ainda que a escola dificulte o acesso de desconhecidos (portões fechados, segurança), esses criminosos buscam o ponto vulnerável para dar cabo à sua ação. Recentemente, um criminoso, ex-aluno, acessou a escola de Cambé/PR para pedir histórico escolar. Mesmo que a escola tivesse robusto sistema de segurança (portões, catracas, seguranças, câmeras), não conseguiria evitar o atentado. Assim, a solução está fora da escola, em como evitar radicalizações que são danosas a toda sociedade, especialmente para as escolas. A escola não deve se tornar um ambiente prisional de segurança máxima, de excessiva vigilância, prejudicando o convívio, a socialização das futuras gerações e com isso a qualidade da educação. O medo não deve ser rotina.

Debates sobre a necessidade de dificultar o acesso a armamentos, regular redes sociais, investir em inteligência policial para desmantelar extremistas, entre outras medidas recomendadas por especialistas, são fatores essenciais a serem aplicados continuamente em nossa sociedade. Não há bala de prata; somente medidas complexas e articuladas são capazes de evitar novos ataques.

 

 


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. Membro consultora da Comissão de Graduação e Pós-Graduação da OAB/SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

#direitoeducacional 

[1] Michele Prado, especialista em extremismo online, informa que crianças a partir de 10 anos são recrutadas pelos grupos. Disponível em: https://www.estadao.com.br/cultura/luciana-garbin/true-crime-community-violencia-extremismo-e-um-perigo-que-os-pais-precisam-conhecer/.

[1] Nesse sentido, cf. medidas do Christchurch Call, do governo da Nova Zelândia, para combater extremistas na web.

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