desvio produtivo educacional

O Programa Ciência Sem Fronteiras (CsF) foi instituído pelo Decreto n. 7.642/2011, com o objetivo de formar e capacitar estudantes e pesquisadores em centros de pesquisa estrangeiros de excelência, por meio da concessão de bolsas de estudos concedidas pela CAPES e pelo CNPq.

Entre 2011 e 2017, ano em que o CsF foi descontinuado, foram concedidas mais de 104 mil bolsas – a maioria para cursos de graduação –, cujo investimento foi de R$ 13 bilhões, contando com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)[1].

Em que pesem seus objetivos, o formato do CsF provocou uma série de críticas: alegou-se que os recursos do FNDCT não deveriam custear bolsas para alunos de graduação, mas sim destiná-los para o desenvolvimento tecnológico de ponta do país. Além disso, questões cambiais, alunos sem proficiência em inglês, assim como a ausência de perspectiva a longo prazo sobre a fonte de financiamento, comprometeram a continuidade do CsF.

Por sua vez, ao receber o benefício, o estudante deve se comprometer com os termos da bolsa. Os bolsistas deveriam demonstrar comprometimento e assiduidade, e retornar ao Brasil após o término das atividades acadêmicas.

No entanto, caso retornem ao país sem concluir o curso ou mesmo se optarem por ficar no estrangeiro, há a obrigatoriedade de devolver o valor referente à bolsa. A ideia é que o pesquisador estude fora para contribuir com o fortalecimento da ciência brasileira.

Acontece que a dificuldade para se tornar pesquisador no Brasil, intensificada a partir da crise político-econômica de 2016, resultou na “fuga de cérebros”. Diante desse cenário, pesquisadores brasileiros, referências em suas áreas de estudo, optaram por deixar o país em busca de melhores oportunidades no estrangeiro.

Nesse contexto, pesquisadores que tinham recebido bolsas por meio do Programa CsF optaram por não retornar em razão da ausência de oportunidades de trabalho e de pesquisa no Brasil, uma vez que recebiam oportunidades mais condizentes com seus objetivos de pesquisa, inclusive com possibilidades para estabelecer-se no estrangeiro.

Assim, se o não retorno implica na devolução do valor da bolsa, algumas questões emergem: o que fazer caso minha área de pesquisa tenha pouca capilaridade no país? O que fazer caso o retorno prejudique a carreira que construí no estrangeiro? Como posso contribuir com o governo brasileiro, com o conhecimento que adquiri, mesmo que não tenha o interesse em retornar?

Cada caso implica análise diferenciada porque envolve variáveis distintas. É verdade que áreas do conhecimento muito especializadas podem, de fato, sujeitar o pesquisador a uma escolha deveras difícil, porque está em jogo a continuidade de seus estudos e a possibilidade de não mais trabalhar na área, caso retorne ao Brasil. O resultado dessa escolha é uma dívida na casa dos milhares de reais, cuja atualização do câmbio aumenta consideravelmente sobre o valor concedido inicialmente.

Nessa linha, o CNPq permite a novação da dívida, prática regulada pela RN 019/2015. A novação é um instituto do Direito Civil que permite a transformação de uma dívida em outra, com novos termos e obrigações. Para tanto, o pesquisador deve demonstrar que sua permanência fora do país “terá relevância estratégica para o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia & Inovação do Brasil”, por meio de proposta a ser apresentada ao CNPq.

Cabe ao CNPq avaliar se aceita ou não a proposta do pesquisador. Ao aceitá-la, o pesquisador se compromete a executá-la no prazo proposto, da forma como foi aprovado. Portanto, esta é uma forma de saldar o débito com o governo brasileiro, sem a necessidade de retornar ao país.

Para que a novação ocorra, além da avaliação do CNPq sobre a proposta do pesquisador, cabe a este confessar as dívidas, o que permite a contagem de novo prazo prescricional, de maneira que qualquer descumprimento pode levar à sua execução pela via judicial.

Apesar das lacunas da legislação, o pesquisador deve ter ciência de que é possível defender-se e apresentar recursos, seja em âmbito do CNPq/CAPES, seja em âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU). Além das especificidades da pesquisa, também são oportunos questionamentos sobre o índice de correção, incidência de multas e com relação à taxa de câmbio para conversão.

Caso seja condenado pelo TCU, o pesquisador pode ser cobrado judicialmente, cujos bens no Brasil e eventualmente oriundos de partilha de herança devem suportar a dívida. Evidente que também é cabível defesa neste espaço, razão pela qual essencial contar com assessoria jurídica para acompanhar todo o procedimento e tomar a melhor decisão.


*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.

[1] Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/o-fim-do-ciencia-sem-fronteiras-depois-de-r-13-bilhoes-investidos-em-bolsas-no-exterior/.

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